‘Sou uma apaixonada por Deus e pela vida que eu abracei’

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Religiosa e Vice-Presidente da Associação Nacional das Escolas Católicas, Irmã Adair Aparecida Sberga, falou ao O SÃO PAULO sobre a vocação
Publicado em: 08/02/2018 - 10:30
Créditos: Redação

Arquivo Pessoal

Formada em Filosofia, História, Pedagogia, Mestra em Educação com especialização em Pastoral Juvenil e Doutora em Psicologia pela USP, Irmã Adair Aparecida Sberga, 54, falou ao O SÃO PAULO sobre aquilo que dá realmente sentido à sua vida: ser religiosa consagrada. Há 32 anos na Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora (Salesianas), Irmã Adair, que atualmente é Diretora Executiva da Rede Salesiana de Escolas do Brasil e Vice-Presidente da Associação Nacional das Escolas Católicas (ANEC), afirmou que a vida religiosa “é um sinal para o mundo de que as pessoas podem ser felizes quando se voltam para o seu interior, onde está o amor, onde está Deus”. 

 

 

O SÃO PAULO – COMO FOI O DESPERTAR DA SUA VOCAÇÃO PARA A VIDA CONSAGRADA?

Irmã Adair Aparecida Sberga – Eu participava do grupo de jovens de minha paróquia, onde nós desenvolvíamos atividades como catequese, visitas a asilos e atividades de solidariedade. Certa vez, o nosso pároco nos falou sobre se apaixonar por Jesus Cristo. Isso me tocou profundamente. Um dia, em uma procissão, eu vi uma religiosa de hábito e comecei a pensar que também poderia ser igual a ela. O desejo que sentia era de estar a serviço. No lugar de me dedicar a uma pessoa só, a uma família, queria estar disponível para servir a outras pessoas. Eu comecei a frequentar encontros vocacionais e procurei uma religiosa para conversar. Eu já havia concluído o ensino médio, tinha um bom emprego, mas deixei tudo para seguir ao chamado. No início, foi muito difícil, porque minha família não aceitava minha decisão. Aos poucos, eles foram percebendo que era um chamado de Deus. 

 

COMO A SENHORA DEFINE A VIDA CONSAGRADA A PARTIR DA SUA PRÓPRIA EXPERIÊNCIA?

É uma entrega de consagração a Deus, um serviço de doação naquilo que fazemos com total gratuidade. Não é uma fuga do mundo, mas um compromisso maior que assumimos com o mundo e com a humanidade. As palavras serviço e disponibilidade são muito fortes para mim, além do amor às crianças, adolescentes e jovens. Tanto que, por isso, sou uma irmã salesiana. Sou muito feliz. Sinto a bondade e o amor de Deus me conduzindo para dar testemunho da santidade, da radicalidade das bem-aventuranças. Quando eu decidi seguir a vida religiosa, eu manifestei a um padre minha dúvida de que se tratava mesmo de um chamado de Deus ou era só uma vontade minha. Então, ele me disse: “Minha filha, se você quer é porque Deus também quer”. Deus não vai pedir para mim algo que vá contra minha natureza. A correspondência ao chamado de Deus é justamente se sentir feliz naquilo que está fazendo. A vida religiosa é uma das formas de viver a vocação universal à santidade. 

 

COMO EXPLICAR OS VOTOS DE POBREZA, CASTIDADE E OBEDIÊNCIA NOS DIAS DE HOJE?

A obediência não significa ser uma pessoa subserviente. Mas é obedecer ao próprio Deus que se manifesta na nossa vida. O voto de obediência é estar atento àquilo que a própria vida nos coloca e deixar que Deus conduza a nossa história. Muitas vezes queremos fazer a nossa vontade, do nosso jeito. Porém, quando me coloco na perspectiva de Deus, ele me conduz para que eu possa dar os frutos que ele espera que eu dê. Portanto, é uma abertura para a ação de Deus. A castidade é a radicalidade do amor. Às vezes, as pessoas relacionam a castidade somente com sexualidade, mas ela é muito mais ampla. É a capacidade de amar e crescer no amor ao próximo. Por isso, estamos abertas a amar a todos e não somente a uma pessoa. É ter um coração indiviso que ama com mais intensidade a todas as pessoas nas suas condições de vida. Já a pobreza é a grande disponibilidade à gratuidade. O meu tempo não é só para mim, aquilo que temos, dividimos. Não é só não ter, mas a possibilidade de uma partilha maior. 

 

O QUE SUSTENTA A SUA VOCAÇÃO?

Em primeiro lugar, a oração. Nem sempre eu estou na capela, por conta da missão exigente que desempenho atualmente. Mas o tempo todo eu estou rezando. Tudo o que faço coloco na presença de Deus. Eu sinto sua presença. É essa proximidade com o divino que me sustenta. Sou uma apaixonada por Deus e pela vida que eu abracei.

Deus nos fala muito também por meio da vida comunitária. Não é simples viver em comunidade, pois convivemos com pessoas de todos os tipos. Mas a comunidade me ajuda a me constituir cada vez mais como pessoa. O tempo todo, a comunidade me dá a possibilidade de confronto para saber se estou vivendo com radicalidade aquilo que professo. Uma sustenta a vocação da outra. A vida comunitária é fundamental na vida religiosa para que não nos percamos na estrada. 

 

EM MEIO AOS MUITOS TRABALHOS, NÃO EXISTE O PERIGO DE CAIR NO ATIVISMO?

São muitas as exigências do mundo contemporâneo e muitas as atividades a serem realizadas pelos religiosos. Realmente, nós podemos cair no ativismo. Mas não é o fazer muitas coisas que conduz ao ativismo, e, sim, o modo como fazemos. Precisamos dar sentido a tudo o que realizamos. Quando trabalhamos na presença de Deus, aquilo não nos esgota. No entanto, precisamos ter consciência de que, como seres humanos, temos um limite de natureza física. Por isso, temos que ir até onde nossa saúde suporta. Porque, se nós nos esgotarmos demais, vem a irritação, o cansaço, a perda do entusiasmo e até do amor que sustenta a vida. E necessário cuidar da saúde física para ter uma boa espiritualidade. 

 

COMO FILHA DE MARIA AUXILIADORA, QUAL É O PAPEL DA NOSSA SENHORA NA SUA CONSAGRAÇÃO?

Nossa Senhora é uma presença muito especial em minha vida. Quando eu era irmã bem jovenzinha, uma religiosa me disse: “Quer salvar a famílias, reze o Terço todos os dias”. Aquela foi uma palavra de Deus em minha vida. Com essa oração, eu já alcancei muitas graças da Mãe de Jesus. Uma vez, rezando o Terço, eu vi Nossa Senhora. Isso não é impossível, quando nos abrimos para Deus, tudo é possível. Ela é uma mediadora de Deus, intercessora. Ela é uma boa mãe que nos acompanha. 

 

A SENHORA TEVE EXEMPLOS QUE A INSPIRARAM NA VOCAÇÃO?

Muitas irmãs com quem eu convivi foram mulheres muito fiéis, estudiosas, de uma grande doação, com uma sabedoria de vida que nos provocava. Elas nos davam o testemunho de coerência. Recentemente, em Natal (RN), encontrei-me com uma religiosa de 97 anos, muito lúcida, com um enorme desejo de viver a santidade. Esses exemplos de abertura de vida, desejo de viver na bondade, na pureza e nobreza de vida nos inspiram muito.

 

QUAL É A CONTRIBUIÇÃO DA VIDA CONSAGRADA PARA MUNDO?

A vida religiosa consagrada é marcada pelo despojamento e pela vivência da radicalidade e daquilo que é essencial. Nós vivemos em uma sociedade que fez a opção pelo consumo, pela materialidade e pelo individualismo. Cada vez que as pessoas vão em busca disso, se afastam do encontro com a sua interioridade. A vida consagrada nos ajuda a encontrar essa interioridade. A vida religiosa é um sinal para o mundo de que as pessoas podem ser felizes quando se voltam para o seu interior, onde está o amor, onde está Deus.

 

ENTÃO, VALE A PENA SER UMA CONSAGRADA?

Sim! Cada um tem que descobrir para o que Deus o chama e ter a abertura para esse chamado. Não dizer logo “isso não é para mim”. Deus chama, mas as pessoas precisam responder. E, se alguém recebeu o chamado à vida religiosa consagrada, será feliz assim, correspondendo ao dom que Deus lhe deu. 

 

As opiniões expressas na seção “Com a palavra” são de responsabilidade do entrevistado e não refletem, necessariamente, os posicionamentos editoriais do jornal O SÃO PAULO.