Padre Zezinho: ‘A Igreja está querendo que os jovens falem’

A A
Sacerdote participou de um seminário, entre os dias 11 e 15 de setembro, no Vaticano, em preparação para a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos
Publicado em: 27/09/2017 - 12:15
Créditos: Redação

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Junto aos jovens há mais de 50 anos, o Padre Zezinho, SCJ, cantor e compositor reconhecido por várias gerações de católicos, foi convidado pela Secretaria-Geral do Sínodo dos Bispos para participar do seminário “a condição juvenil no mundo”, entre 11 e 15 de setembro, no Vaticano. Trata-se da preparação para a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. O tema escolhido pelo Papa Francisco para o próximo sínodo, que será em outubro de 2018, é “o jovem, a fé e o discernimento vocacional”.

Ele conversou com O SÃO PAULO, nos bastidores do último dia de encontros, sobre os resultados do encontro e sobre as particularidades da juventude católica brasileira. Para ele, no momento atual, “os jovens sentem que têm toda a liberdade de falar” e não só devem aprender, mas também ensinar. “Vamos criar jovens pensadores, em tudo o que é diocese. O Papa está querendo que os jovens repensem a Igreja conosco”, disse.

Padre Zezinho falou, ainda, sobre como a tecnologia muda a comunicação com os jovens. 

Aos 76 anos, depois de superar um AVC e um câncer disse que está bem de saúde. “Me deixam descansar bem e estou medicado”, afirmou.

 

O SÃO PAULO - Há quantos anos o senhor trabalha com os jovens?

Há 50 anos. Aliás, mais, porque comecei antes. Trabalho com jovens há 54 anos, antes de ser padre já.

 

Nunca houve um Sínodo dos Bispos sobre os jovens. Como o senhor vê essa iniciativa?

A Igreja está querendo que os jovens falem. E com liberdade. É pedido do Papa. Está levando isso tão a sério que está pedindo a nós, formadores de jovens, a motivar o jovem a falar. E nós devemos falar menos. Eles, mais. Além disso, está fazendo a preparação do sínodo em duas etapas. Primeiro, agora em setembro, com os formadores. Depois, em março, vai ter um novo encontro, só que desta vez com mais jovens. Só depois de tudo o que eles e os especialistas falarem, vão falar com os bispos. Isso é novo, pois antigamente se falava sobre o jovem. Agora, o jovem fala. E fala sobre nós, sobre a Igreja, sobre os bispos. 

 

Isso é uma ideia do Papa Francisco?

O Papa está querendo isso: falem de nós. Como podemos ser para vocês? O que está faltando? Os jovens sentem que têm toda a liberdade de falar. Não serão cerceados. Ninguém vai dizer: você não devia ter dito isso. O que disserem vai ser ouvido. Isso é muito bom. Uma perspectiva de jovens da Igreja, jovens para a Igreja, e jovens com a Igreja. Nunca foi feito dessa forma, com essa perspectiva.

 

É uma mudança no método, certo?

Antigamente, na pedagogia, tínhamos que pensar no que ensinar para os jovens. Agora, os jovens mesmos têm de ensinar. E eles sabem coisas que nós não sabemos, porque eles estão em ambientes onde nós não estamos. Há uma cultura jovem importante. Antigamente, Platão, Aristóteles e todos os grandes pensadores falavam sobre o jovem, mas não deixavam o jovem falar. Não havia jovens escritores, cantores, que atingissem a humanidade. Tampouco havia os veículos. Para escrever um livro, estar no teatro, ele tinha de ser alguém famoso. Tinha de ter vivido. Era impossível esperar dos jovens. Podia, talvez, ser maestro e grande compositor, mas acho que só no campo da música, porque era um talento, como [Wolfgang Amadeus] Mozart. Mas o que o jovem tinha a dizer como pessoa não contava.

 

Na sua opinião, quando é que isso mudou?

Só nos anos 1960, com as guitarras, microfones, televisão e multidão. Nem o Frank Sinatra tinha essa força, porque era um indivíduo cercado de orquestra. De repente, apareceram os jovens com duas guitarras e algum instrumento, e não precisava mais do que isso. Eles iam falando e gritando. E virou um fenômeno de massa. Em pouco tempo, tinham milhões de jovens querendo ouvir outros jovens, não mais os adultos. Começaram a falar a si mesmos. Depois começaram a falar para nós, às vezes até agredindo, mas dizendo muita verdade. O Bob Dylan, por exemplo, se pegar o livro dele, é um filósofo. Muitos jovens começaram a dizer: não temos só canção, temos ideias e podemos ajudar o mundo com nossa opinião. Foi uma revolução melhor que a política.

 

O que pode sair de concreto em um Sínodo dos Bispos sobre os jovens?

Vamos criar jovens pensadores, em tudo o que é diocese. O Papa está querendo que os jovens repensem a Igreja conosco, e não “vamos pensar uma Igreja para os jovens”. Na verdade, o Papa Paulo VI queria algo do tipo. Foi líder dos jovens, e na política, quando era bispo e cardeal.

 

A diferença é que agora, com a tecnologia, é possível falar para o mundo inteiro…

Desde que chegou o celular na mão, ele se tornou um dos maiores instrumentos que a Igreja não tinha. Os jovens usam isso quase 15 horas por dia. Os bispos e os padres estão usando um pouco menos. Mas estão percebendo que precisam ler o que os jovens estão falando. Estamos lendo o que eles estão dizendo. E eles estão lendo o que nós falamos [na internet] mais do que livros. Agora, a conversa é aqui [no celular]. Eu chego até 4 ou 6 milhões de likes em alguns casos. Ou, no mínimo 80 mil, depende do assunto. Se é assunto quente, aí os jovens falam, respondem. Deixo entrar na minha página gente que não é nem católica. Pode falar. Mas se me ofender muito, vou conversar com ele e dizer “É a terceira vez, você não quer dialogar. Vou bloquear você”. Mas discordar é bom para nós.

 

O confronto de ideias faz pensar, certo?

Recebo coisas lindas de jovens ateus, pessoas políticas, alguns mais conservadores, que descobriram que eu deixo falar e respeito. Eles todos podem falar, mas ofender, não. Mas [o celular] é um instrumento de diálogo espetacular e a Igreja sabe disso. Ela está incentivando isso nas universidades. O jovem pode falar para 100 mil, 200 mil pessoas. Cada mensagem que ele manda para mim, ele é lido por milhares de outros. O mesmo para o Padre Fábio de Melo, por exemplo. É um instrumento espetacular de pedagogia. Só no Brasil deve haver mais de 300 organismos católicos, sites grandes, páginas para isso. 

 

O que o senhor destaca deste seminário em preparação para o Sínodo?

Um senso de eclesialidade que os jovens têm. Eles não são só católicos. São abertos para o mundo inteiro. Havia uma menina da Síria, muito preparada, falava em 4 línguas, muito consciente do que ela quer. Foi expulsa do seu país porque era católica. Por 5 anos ela não pôde estudar nada, porque estava ameaçada. Há 5 milhões de jovens que não estão podendo estudar na Síria, por causa da guerra. Atrasaram em pelo menos 6 anos os estudos. E disse uma frase espetacular: “Quando eu saí da Síria, eu sabia que tinha uma casa, pois onde há um templo católico, é a minha casa.” Muito forte. Isso é eclesialidade, em uma moça de 25 anos.

 

Qual é uma particularidade dos jovens do Brasil, que podemos transmitir a toda a Igreja?

O Brasil aprendeu a usar a pastoral de massa, coisa que aqui na Europa eles têm menos. Nós enchemos estádios a qualquer momento, com a pastoral da juventude. Aprendemos a conversar com jovens em multidão e em pequeno grupo. Há um espaço na Igreja para o jovem de mentalidade política, pois nós não expulsamos ninguém. Há espaço para o padre de esquerda e o outro mais conservador. Os dois podem falar. Isso é bom, porque o jovem ouve e escolhe. Não existe uma única direção. É como um parlamento. É um bom conceito. Aqui na Europa, o discurso é sempre acadêmico. Mas no Brasil é mais tête à tête, olho no olho. Na Europa, há uma tendência a ser hierárquico. É bom que uns aprendam com os outros. Estamos tentando formar os jovens para a democracia e os radicais vão ter de baixar a bola.

 

Como foram escolhidas as pessoas para vir a este seminário?

A organização nos convidou, pessoas que há muito tempo trabalham com jovens. Eu, por causa dos meus 50 anos de livros e canções. Eles me pediram “venha ao menos desta vez”. Não precisa vir de novo em março. Eu disse que tenho problema de saúde e perguntei: “Posso não falar nada?” E o cardeal [Lorenzo Baldisseri] falou que poderia, mas queria que eu visse isso. Então, eu vim para fazer falar, pois o sínodo é para os jovens. Para a próxima vez, vou indicar outros, principalmente leigos do Brasil, que estão em falta aqui.

 

Padre Zezinho, como está a sua saúde?

Recuperei-me bem do câncer. A diabetes está bem controlada. Não tenho tido problema nenhum, graças a Deus. Deixam-me descansar bem e estou medicado. Não está muito puxado. O médico falou: “Pode voltar a fazer tudo o que você fazia, mas mantenha a boa alimentação”. E tem dado certo.