Olhar de pastor para a periferia

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Em 1972, Dom Paulo lançou a Operação Periferia, convocando a Igreja em São Paulo a voltar-se para a população que vivia na periferia, tanto geográfica quanto social
Publicado em: 14/12/2016 - 12:15
Créditos: Fernando Geronazzo/ Jornal O SÃO PAULO

Logo que Dom Paulo Evaristo Arns veio para São Paulo, ainda como bispo auxiliar na Região Norte (hoje Região Santana), começou a olhar para a realidade da periferia da Cidade e, aos poucos, buscava a organização da Igreja nessas regiões mais afastadas do centro. Anos depois, já como arcebispo, o Cardeal Arns propôs uma ação missionária inovadora para toda a Arquidiocese.

Motivado pela Campanha da Fraternidade de 1972, que tinha como lema “Descubra a felicidade de servir”, Dom Paulo lançou a Operação Periferia, convocando a Igreja em São Paulo a voltar-se para a população que vivia na periferia, tanto geográfica quanto social.

Na edição de 2 de fevereiro de 1972, O SÃO PAULO noticiou a proposta. “Em São Paulo, o serviço é exigência humana e cristã, pois o problema da periferia nos fere os olhos, o coração, e terá que mobilizar as nossas mãos. A Operação Periferia será, pois, a ação por excelência desta Quaresma, toda colocada debaixo da Fraternidade”, afirmou Dom Paulo, que, naquele ano, destinou 35% da arrecadação da Campanha da Fraternidade a várias atividades missionárias e pastorais realizadas na periferia. Seguindo os passos de seu patrono, o apóstolo São Paulo, o Cardeal Arns queria evangelizar.

Essa ação missionária vigorou de 1972 a 1978, quando a população da periferia no território da Arquidiocese à época, atingia aproximadamente 4 milhões de pessoas. O território da Arquidiocese era o maior do planeta e compreendia toda a Capital Paulista e alguns municípios da Grande São Paulo, como Osasco, Itapecerica da Serra, São Roque e Ibiúna, incluindo até áreas rurais.

Concretamente, a Operação Periferia propôs constituir comunidades, dar formação litúrgica, bíblica e catequética para leigos e animadores, criar centros comunitários, integrar recursos humanos e materiais de todas as comunidades da Cidade.

Em um dos subsídios da Operação Periferia, o Cardeal dizia: “A periferia nos pede uma ação intensa e imediata, e não apenas palavras e bons propósitos. Para situações de emergência, reclama-se soluções audaciosas que quebrem todas as barreiras do egoísmo e da burocracia”.

Um dos marcos dessa operação foi a venda, em 1973, do Palácio Pio XII, residência episcopal à época. Com o dinheiro da venda, foram adquiridos mais de 500 terrenos em São Miguel Paulista, Guaianazes, Jardim Vista Alegre, Jardim Tremembé, entre outros, para a instalação de comunidades. Além disso, a Operação Periferia contou com a ajuda financeira das organizações alemãs Misereor e Adveniat.

Igreja em missão

O coordenador geral da Operação Periferia, Padre Ubaldo Steri, sacerdote italiano e até hoje pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças, no Jabaquara, na Região Ipiranga, explicou à reportagem que não era apenas socialmente que a periferia sofria. “Com a crescente migração de pessoas do Norte e Nordeste do País, nem os poderes públicos nem a Igreja deram atenção até então para essa realidade periférica. Junto às 4 milhões de pessoas aproximadamente, não havia paróquias e padres suficientes. Os poucos que existiam eram missionários estrangeiros”. Segundo o Coordenador, a ideia da Operação era “criar igreja local para envolver o povo”. 

A Operação Periferia propunha uma grande movimentação de padres diocesanos e religiosos, religiosas, leigos, todos chamados a contribuir no desenvolvimento de uma Igreja mais missionária por meio de uma intensa formação, cursos, encontros e reuniões que aconteciam nos setores, nas regiões e também em âmbito arquidiocesano. Havia assistentes sociais, enfermeiras, sociólogos, advogados, engenheiros e outros profissionais católicos que se apresentavam para atuar nessas comunidades. Ministros e leigos engajados na pastoral eram preparados para um trabalho específico de comunidade, movimentos e grupos já atuantes em algum setor, serviços de profissionais para um trabalho de desenvolvimento integral, voluntários e técnicos em trabalhos comunitários, para uma ação conjunta e coordenada de promoção humana, de integração num trabalho global.

“Seria imperdoável se neste momento não estimulássemos todas essas forças vivas, que poderão, por sua vez, descobrir e animar as próprias comunidades da periferia, e assim desenvolver a autopromoção, única solução a longo prazo”, disse Dom Paulo (O SÃO PAULO, 03/06/1972).

Pequenas comunidades

Ainda enquanto vigário episcopal para a Região Norte, Dom Paulo, motivado pelas propostas do Concílio Vaticano II, tomou a iniciativa de formar uma equipe de pastoral chamada “Missão Povo de Deus”, constituída por padres, religiosas e leigos para a implantação dos documentos do Concílio, que depois, fortalecida pela Conferência de Medellín (1968), iria implantar pequenas Comunidades Eclesiais de Base (Cebs) nas 50 paróquias da Região. No período seguinte, como arcebispo de São Paulo, ele levou essa mesma ideia para toda a Arquidiocese a partir da Operação Periferia.

A implantação dessas comunidades tinha como referência os centros comunitários. “Centralizava-se ali todo tipo de atividades: conversa, reunião, cursos, lazer, trabalho com crianças, creche, missa, celebração da Palavra e Catequese. O povo crescia na fé, testemunhava a solidariedade, trabalhava junto”, explicou Padre Ubaldo.

Esses centros comunitários eram construídos em mutirão, com a participação de todos os fiéis e com a ajuda vinda da Arquidiocese e das entidades do exterior para a compra dos terrenos e, eventualmente, de materiais de construção. As comunidades já eram organizadas com uma mentalidade de autossustentação. Muitas paróquias da região central assumiram essas novas comunidades como uma espécie de intercâmbio que buscava estreitar a proximidade das diferentes realidades da Cidade. “Se nos engajássemos juntos na periferia, talvez descobríssemos aí, quanto os homens pobres podem ser generosos, como sabem repartir, que alegria lhes proporciona esta coparticipação em tudo!”, disse Dom Paulo (O SÃO PAULO, 30/06/1973).

Frutos

Em 1978, a Operação Periferia foi oficialmente concluída e tornou-se a Pastoral da Periferia, inserida nas diferentes iniciativas pastorais da Arquidiocese. Paralelamente, surgiram as pastorais sociais e o 1º Plano Arquidiocesano de Pastoral, de 1976.

A Operação Periferia expandiu a presença da Igreja em territórios que, posteriormente, deram origem às dioceses de São Miguel Paulista, Santo Amaro, Campo Limpo e Osasco, criadas em 1989. Nesse período, foram criadas 43 paróquias e cerca de 1.500 comunidades.

Muitas dessas comunidades foram embriões de novas paróquias. Uma dessas foi a Comunidade Nossa Senhora de Fátima, na Vila Guarani, na Região Ipiranga, até então pertencente à Paróquia Nossa Senhora das Graças. Em 2012, a Nossa Senhora de Fátima foi elevada a paróquia. “As primeiras reuniões foram feitas na garagem de uma residência. Depois, alugamos um bar, em seguida uma casinha e uma antiga fábrica de gaiolas até conseguirmos a verba para adquirir um terreno. Então, a comunidade se mobilizou para construir uma capela de madeira que deu lugar a uma igreja que se tornou a matriz”, testemunhou Padre Ubaldo.

No livro “D. Paulo Evaristo Arns - Da Esperança à Utopia”, o Arcebispo emérito relatou a ocasião em que reservou um domingo para visitar algumas comunidades e celebrou uma missa para mais de 20 mil pessoas em gratidão pela Operação Periferia. “Jesus que foi mal acolhido na terra dos homens, abençoava as pessoas que recebiam bem os nordestinos e demais brasileiros que procuravam refúgio em São Paulo. Acolher é amar e amar é cumprir o destino principal da vida”, disse.

Publicado no Jornal O SÃO PAULO em 30 de junho de 2016

Especial Dom Paulo Evaristo Arns