‘Nós demos voz aos bispos do Brasil para falarem das realidades e desafios de seu povo’

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A jornalista é conhecida entre bispos e padres por dar vóz a vida e missão da Igreja no Brasil, na rádio Jovem Pan
Publicado em: 05/04/2018 - 10:15
Créditos: Redação

Fernando Geronazzo

Figura conhecida entre os bispos brasileiros na cobertura jornalística das assembleias da CNBB e outros eventos eclesiais, a jornalista Maria Yamasaki, 67, está há 39 anos à frente de um dos mais longos e tradicionais programas religiosos de rádio no País: o “Sermão da Paixão segundo a Jovem Pan”, programa que chegou este ano à 51ª edição, e que vai ao ar todas as Sextas-feiras Santas, abrindo espaço na programação da rádio Jovem Pan para  dar voz a bispos, padres e leigos para falarem da vida e da missão da Igreja no Brasil, com conteúdos catequéticos e de espiritualidade. Em entrevista ao O SÃO PAULO , Maria explicou como é produzido o programa e compartilhou recordações históricas dessas quase quatro décadas de trabalho. Confira.

 

O SÃO PAULO – COMO COMEÇOU SUA HISTÓRIA NO “SERMÃO DA PAIXÃO”?

Maria Yamasaki – Eu me formei em Jornalismo em 1977, mas, desde quando eu estudava na Faculdade Cásper Líbero, sempre ia pedir emprego na Jovem Pan . Até que um dia, lembro-me bem, era o dia 29 de agosto de 1979, eu fiz um teste e comecei a trabalhar no atendimento de reclamações do público. Então, o Milton Parron, que assumiu a produção do “Sermão da Paixão” depois do Joseval Peixoto (leia mais na página 10), convidou-me para ajudar na produção do programa. Naquela época, o “Sermão” era todo gravado, cerca de 24 horas. O Parron percorria o Brasil atrás de bispos como Dom Helder Câmara, e eu ia em busca de bispos das dioceses do Estado de São Paulo. Em 1983, sugeri que algumas partes do programa podiam ser ao vivo. Então, convidamos bispos como Dom Paulo Evaristo Arns e os auxiliares de São Paulo.

 

E QUANDO COMEÇOU A SER TOTALMENTE AO VIVO?

A experiência inicial de algumas horas de participações ao vivo foi um sucesso. Os ouvintes queriam mais. Então, há 17 anos, o programa é totalmente ao vivo, com raras inserções gravadas. A partir de então, o programa passou de 24 para 30 horas. Quando é ao vivo, há maior interação com os ouvintes. O povo sente muita sede de falar com os pastores e esclarecer dúvidas de fé. Até hoje, o telefone não para de tocar ao longo do dia e da noite. O “Sermão da Paixão” sempre foi referência de programa religioso para o episcopado e para o povo, embora seja produzido por uma rádio comercial. 

 

ENTÃO, O PROGRAMA FOI UM ESPAÇO DE CATEQUESE?

Sim, muito! Além dos bispos, padres, como Zezinho, Joãozinho, Augusto Cesar Pereira [em memória], Marcial Maçaneiro e muitos outros, sempre esclareciam dúvidas das mais simples, sobre a vivência da Semana Santa, até as mais complexas, como desafios pastorais da Igreja na atualidade. Este ano, por exemplo, dedicamos um horário para tratar do trabalho da Cáritas junto aos refugiados. Isso ajuda a pautar não só a sociedade como a mídia. Muitas dessas entrevistas e participações são editadas e vão ao ar no “Jornal da Manhã”, no dia seguinte. Hoje, o “Sermão da Paixão” está em rede nacional pelo rádio e para o mundo todo pela internet. Atualmente, o tempo de programação diminuiu um pouco, pois na parte da manhã foi mantida a programação jornalística da rádio. Mesmo assim, 20 horas de programação para a Igreja representa muito. 

 

QUAIS RECORDAÇÕES SÃO MARCANTES NA HISTÓRIA DO “SERMÃO DA PAIXÃO”?

No tempo da ditadura militar, houve muitas gravações de Dom Helder, de Dom Paulo [Evaristo Arns], por exemplo, que foram censuradas. Eu lembro que a censora se chamava Solange. Ela cortava tudo. Nós temos essas fitas arquivadas. Na época do assassinato do Beato Óscar Romero, em 1980, nós não pudemos falar sobre esse assunto. Mesmo quando Dom Helder foi indicado para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz, também fomos vetados. Outro fato que me recordo muito foi que, depois da saída do Parron e do Frei Paulo Sergio Frederico, que também ajudava na produção, eu fiquei sozinha para gravar todo esse material. Então, eu contei, durante os cinco anos, com a ajuda de um seminarista de São José do Rio Pardo (SP) chamado Orani João Tempesta. Ele vinha com a maior boa vontade e levava umas 50 fitas cassetes e distribuía pelo interior inteiro e depois me enviava. Depois, nós tínhamos que ouvir todo esse material, verificar o tempo, inserir fundo musical, equalizar. Hoje ele é Cardeal da Igreja e Arcebispo do Rio de Janeiro e sempre que pode participa, mesmo que por telefone. A primeira vez que Dom Erwin Krauter, Bispo da Prelazia do Xingu (MT), alertou para os impactos socioambientais e a ameaça aos povos ribeirinhos da região por causa da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte foi durante uma participação por telefone no “Sermão da Paixão”. Essa declaração foi pautada pelo jornalismo da rádio e virou assunto nacional. Jornalistas do Brasil inteiro ligavam para nós pedindo o contado do Bispo. Já há muitos anos, Dom Luciano Mendes de Almeida chamou a atenção para o risco de rompimento da barragem das mineradoras em Mariana (MG). Esse alerta se confirmou com a grande catástrofe ambiental de 2015. Nós demos voz aos bispos do Brasil para falarem das realidades e desafios de seu povo. 

 

O QUE O “SERMÃO DA PAIXÃO” MUDOU NA SUA VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL?

Eu sempre fui católica, mas esse trabalho me ajudou a me envolver mais ainda. Para conhecer melhor a Igreja, é preciso o contato direto, corpo a corpo. Por isso, sempre cobri as assembleias da CNBB, que, na época, aconteciam no Mosteiro de Itaici, em Indaiatuba (SP), e hoje são realizadas em Aparecida (SP). Assim, eu ia conhecendo os bispos e convidando-os para o programa. Nesses anos, eu acabei conhecendo muita gente boa. Esse trabalho também me estimulou a conhecer mais sobre a Igreja, o que me levou a começar a estudar Teologia. Hoje, eu cuido da produção do conteúdo religioso da rádio. Além do “Sermão da Paixão”, nós transmitimos a missa todos os domingos. Embora seja só uma vez por ano, quando acaba uma edição do programa, eu já começo a fazer os contatos e convites para o ano seguinte. Eu sempre tenho buscado padres novos para falarem na rádio. Isso ajuda a descobrir novas vocações para a comunicação. Devemos incentivar nossos bispos, padres, religiosos e leigos a se envolverem com a comunicação. É um espaço que não podemos perder. Para isso, é importante que outras pessoas se interessem. Eu não vou permanecer para sempre à frente desse projeto. É necessário que outros continuem.