Duas estradas, um só objetivo: servir a Deus por meio da Igreja

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Formação sacerdotal diocesana e religiosa mostra que a unidade da Igreja também se faz por diferentes caminhos
Publicado em: 17/04/2018 - 17:30
Créditos: Pe. José Ferreira Filho

Até sexta-feira, 20, os bispos do Brasil estão reunidos em Aparecida (SP) para a Assembleia Geral da CNBB, que este ano tem como tema central as “Diretrizes para a Formação dos Presbíteros”. A meta é atualizá-las às novas orientações da Santa Sé contidas na Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis.

Todo ser humano é chamado por Deus a uma vocação, isto é, cada pessoa é convidada a percorrer um caminho de verdade e de liberdade até chegar a sentir-se profundamente realizada na sua humanidade. Dessa forma, uma vez batizado, todo cristão deve dar uma resposta pessoal à Igreja, por meio da vivência de uma vocação específica: vida matrimonial, vida consagrada, vida laical e vida ordenada (esta inclui o ministério diaconal, sacerdotal e episcopal).

Embora haja diversas trajetórias para se concretizar um chamado à vida ordenada, o ministério sacerdotal apresenta dois matizes: o sacerdócio diocesano (ou secular) e o sacerdócio religioso (aquele vinculado a uma ordem ou congregação religiosa).

Para se ter uma ideia dessas duas realidades, O SÃO PAULO apresenta um breve relato da história vocacional e da opinião de dois jovens a respeito de suas trajetórias: um deles o Padre Rafael Alves Pereira Vicente, da Arquidiocese de São Paulo; o outro diácono e, em breve, padre, Frei Luís André de Lima Correia, da Ordem dos Servos de Maria (OSM), atualmente em atuação no Acre.

Ambos são expressão de um levantamento recente, realizado pela CNBB, acerca do perfil atual dos padres brasileiros, por meio do qual se concluiu que a maioria dos presbíteros é jovem, diocesana e composta de brasileiros natos (houve uma época em que havia a predominância de estrangeiros).

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Padre Rafael Alves Pereira Vicente

Padre Rafael é natural de São Paulo (SP), tem 30 anos e foi ordenado em 2016. O despertar vocacional se deu quando tinha em torno de 6 anos de idade, ocasião em que estava na casa dos avós e foi levado a participar de uma missa da Quinta-feira Santa, numa comunidade da Paróquia Santa Rita de Cássia, no Morro Grande, Região Brasilândia. Ali, ao ver o rito do lava-pés, sentiu, pela primeira vez, o chamado para o ministério sacerdotal.

A opção por ter se tornado sacerdote diocesano é considerada natural pelo Padre Rafael. Ao longo de sua infância e adolescência, teve muito contato com os padres diocesanos, sobretudo os da Região Brasilândia. Assim, os padres que passaram pela paróquia em que foi batizado, a mesma que sua avó frequentava, serviram-lhe de exemplo: à medida que ia crescendo, percebia como esses padres trabalhavam e o que era a vida sacerdotal. Tinha, portanto, na sua maneira de ver, os padres diocesanos como a única forma de ser sacerdote.

Ainda assim, quando estava amadurecendo seu discernimento vocacional, tomou conhecimento da vida dos padres religiosos. “No entanto, não me aprofundei muito nela, até mesmo porque percebia que os carismas próprios de cada congregação, de cada comunidade, não me completavam inteiramente, e isso representou uma das decisões mais certas e concretas da minha vida. Pude perceber que minha vocação não seria como padre religioso, que além da vocação sacerdotal propriamente, possui também a vocação ao carisma específico, próprio da sua congregação e de seus fundadores”, esclarece.

“É claro que a vida do sacerdote religioso e a vida do sacerdote diocesano têm suas diferenças. O que nos iguala é o ministério sacerdotal: uma vez padre diocesano, uma vez padre religioso, padre para sempre! Há características importantes na vida diocesana que considero como vantagens e, ao mesmo tempo, desvantagens: o padre diocesano é mais autônomo, mais independente, um padre que consegue exercer o seu ministério sacerdotal sem a companhia próxima dos seus confrades de congregação, como no caso dos padres religiosos. Há também uma questão importante: os cuidados que a congregação tem para com o seu padre religioso, que é diferente dos cuidados que a diocese tem para com o seu padre diocesano”, explicita.  

Padre Rafael acredita que uma congregação ou ordem, de maneira geral, é muito mais próxima de seu padre religioso do que a diocese é do seu padre diocesano. Segundo ele, isso se nota desde a presença no seminário, a presença no exercício do ministério sacerdotal e, o que lhe chama a atenção, sobretudo nos últimos momentos da vida do padre, quando este é idoso ou está doente, percebe-se que os religiosos têm, às vezes – e na maioria delas –, uma maior assistência por parte da congregação ou ordem. Por outro lado, pelo fato de a vida do padre diocesano ser mais autônoma e, por isso, mais sozinha, esses períodos de solidão, de doença, de velhice, às vezes são períodos que pesam muito a tais padres.

Ainda assim, Padre Rafael reafirma: “Quando se parte do princípio de que aquilo que nos sustenta, aquilo que é, de fato, o mais importante na nossa vida cristã e vocacional, o chamado ao ministério sacerdotal e o carisma específico dele, nada pode ser acrescentado ou retirado. Não existem mais vantagens ou desvantagens: uma vez que temos um carisma, uma vez que temos uma vocação, nos sentimos completos com eles”.

Frei Luís André de Lima Correia, OSM

Nascido em Feijó, cidade a 363 quilômetros de Rio Branco, no estado do Acre, Frei Luís André tem 33 anos. A percepção de se sentir chamado por Deus começou muito cedo: quando ainda fazia sua graduação em Sistemas de Informação, em tempo integral, além de algumas disciplinas optativas à noite e o estágio, já se dedicava ao máximo às atividades das paróquias nas quais exercia seu apostolado (Santo Antônio, Santa Cruz e São Peregrino), bem como participava ativamente da Renovação Carismática Católica naquela localidade.

“Contudo, não me sentia satisfeito plenamente, não tanto quanto me sentia ao dedicar-me à pastoral aos domingos, o que me despertava cada vez mais o desejo de uma entrega maior”, pondera.

Frei Luís André destaca que a vivência comunitária e os trabalhos em equipe sempre o encantaram e o levaram a pensar que, se acaso fizesse uma opção de vida mais radical, seria num ambiente assim. “Meu bispo na época pensava que eu ingressaria num seminário diocesano, porém nas visitas e discernimentos que fui fazendo entre os anos de 2004 e 2005, optei pela vida dos Frades Servos de Maria e essa escolha transformou tudo para melhor”, afirma.

O Frei Luís André disse que todos os seus esforços, estudos, atividades e trabalhos eram em vista da edificação pessoal, ainda que houvesse o fator pastoral: o falar bem, o conhecer um pouco de várias coisas e muito de poucas – levando-se em consideração a aptidão pessoal –, a dedicação ao trabalho e o cultivo de um amplo círculo de amizade. Com a vida religiosa, ele pôde perceber a anterior motivação egoística do seu estilo de vida e foi passando do fechamento em si à abertura ao outro, o que se refletiu nas prioridades estabelecidas no campo do conhecimento e das relações interpessoais. Essa transformação toda lhe custou reflexões, adesões e rejeições, as quais resultaram na pessoa que ele afirmar ter se tornado hoje: mais madura e mais consciente de quanto o seu projeto de servir a Igreja expandiu-se nas mãos de Jesus.

Para ele, a opção pela vida religiosa está vinculada à convivência fraterna, presente tanto na formação inicial como na permanente, tornando-se uma possibilidade de testemunho e critério de validade da opção feita, o que, para os frades Servos de Maria, é um dos elementos constitutivos do carisma institucional. Além disso, o caráter missionário – representado nos dois outros elementos do carisma dos frades Servos de Maria, o serviço e a inspiração/espiritualidade mariana – também foi o grande motivador de ser frade nessa expressão.

Frei Luís André também menciona que, com a decisão de optar pela vida religiosa, teve que fazer renúncias, ressignificar seus valores e conceitos para abraçar a escolha que fez e ser feliz nela, buscando fazer também a outras pessoas felizes: “Como todo candidato à vida religiosa, deparei-me com as saídas e conflitos próprios da convivência, o que me incentivava todos os dias a oferecer à minha comunidade e província o melhor de mim”, conclui.

Já são 12 anos de caminhada – período de tempo considerável, em localidades cujas realidades social, econômica, cultural e religiosa são bem diferentes umas das outras, o que proporciona, segundo Frei Luís André, um grande enriquecimento àqueles que o vivenciam, característica comum na preparação dos candidatos à vida religiosa – iniciados com o aspirantado (2006 e 2007) em Rio Branco (AC). Em seguida, vieram o postulantado (de 2008 a 2010) e o pré-noviciado (2011) em Curitiba (PR), o noviciado (2012) em Teresópolis (RJ), o professado (de 2013 a 2016) em São Paulo (SP) e o ano pastoral, no primeiro semestre de 2017 no Rio de Janeiro (RJ), e o segundo semestre, até os dias atuais, em Sena Madureira (AC), em uma comunidade de cunho fortemente pastoral e missionário, à espera da ordenação presbiteral que se aproxima.

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