Dom Odilo: ‘O ano será novo se formos pessoas novas’

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Em entrevista, Arcebispo de São Paulo faz um balanço do ano de 2020 e destaca perspectivas e esperanças para 2021
Publicado em: 31/12/2020 - 13:15
Créditos: Redação

Na conclusão de 2020, o Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano de São Paulo, concedeu uma entrevista aos meios de comunicação da Arquidiocese – rádio 9 de Julho, jornal O São Paulo e portal ArquiSP –, na qual fez um balanço deste ano marcado pela pandemia de COVID-19, que trouxe inúmeros desafios para a humanidade e para a missão evangelizadora da Igreja.

Dom Odilo destacou as lições aprendidas, o papel da Igreja em meio à crise sem precedentes e o testemunho de solidariedade e fraternidade da população. O Cardeal também falou sobre as perspectivas e esperanças para 2021, especialmente com a chegada das vacinas, motivando todos a se unirem cada vez mais para vencer o coronavírus. Confira a entrevista:

O  SÃO PAULO – Como a Igreja em São Paulo conclui o ano de 2020?

Cardeal Odilo Pedro Scherer – Este ano nos tirou, de alguma forma, das nossas programações e planejamentos. Foi um ano difícil. Apesar de tudo, resistimos à pandemia. O povo aprendeu a lidar com ela. Também nossas comunidades e organizações eclesiais aprenderam a tomar os devidos cuidados, a se reorganizar, a trabalhar de modo diferente, por meio, sobretudo, dos recursos da internet. ­­Há, portanto, um grande saldo de renovação na metodologia pastoral e, com certeza, no que se refere à caridade. Houve muitas iniciativas de caridade, apoio às iniciativas já existentes, às obras sociais, ao trabalho com os pobres.

Tantas outras coisas nós tivemos que realizar de um modo diferente ou não fazê-las, como, por exemplo, o sínodo arquidiocesano. Nós havíamos programado a assembleia sinodal arquidiocesana e não pudemos realiza-la. Enquanto isso, porém, amadurecemos um pouco mais uma série de questões que o sínodo levantou e poderemos retomar a assembleia assim que se permitir. Ao longo deste ano, aprendemos a ver muitas questões de forma nova e, por isso, as conclusões do sínodo certamente serão diferentes em função das inéditas experiências que tivemos na pandemia.

O senhor acredita que muito do que foi vivido pastoralmente, especialmente em relação à comunicação, vai continuar depois que a situação se normalizar?

Sim. Foi importante o fato de nos lançarmos nessa nova forma de trabalhar e de viver a missão da Igreja. Certamente, muitos tinham restrições, medo ou até menosprezavam os recursos que hoje estão ao alcance da mão. Diante das restrições impostas para as atividades presenciais, contudo, vimo-nos todos obrigados, de uma maneira ou de outra, a aprender a lidar com esses meios para ir ao encontro das pessoas e continuar nossas atividades de evangelização, celebrações e contato com elas. Isso, certamente, vai ficar, não como substituição da forma presencial, mas como acréscimo.

Qual foi o papel da Igreja, especialmente do Papa Francisco, nesse contexto mundial?

O Papa Francisco, sobretudo durante este ano, manteve-se como uma liderança não só da Igreja Católica, mas da comunidade humana. Ele, talvez mais do que ninguém, soube traduzir a angústia da humanidade e dizer palavras de orientação, esperança, encorajamento e conforto a todos os povos. O Papa leu esta situação que nós vivemos com um olhar muito aguçado para perceber que temos que mudar muitas coisas na convivência humana a fim de que situações como esta não nos tomem de surpresa. Como ele mesmo repetiu muitas vezes, enfim, nós todos nos descobrimos no mesmo barco e se não nos ajudarmos reciprocamente, acabaremos afundando. Na encíclica Fratelli tutti, o Santo Padre traduziu uma visão mais solidária da convivência humana, da vida econômica e política. Acredito que, nesse sentido, a Igreja Católica, em âmbito mundial e também nas comunidades locais e conferências episcopais, foi uma presença firme, viva e atuante nas situações de sofrimento. O testemunho da Igreja foi muito importante neste ano para a comunidade humana.

Em várias ocasiões o senhor acentuou a importância da caridade organizada. Nesse sentido, as pessoas tomaram mais consciência dessa atuação caritativa sistematizada da Igreja?

Espero que tenham aprendido muito. É importante que a caridade seja espontânea, pessoal, mas também é fundamental que ela aconteça de forma organizada nas nossas paróquias, comunidades, pastorais e outras organizações eclesiais. Dessa forma, agregam-se mais iniciativas e esforços para a prática da caridade. Muitas pessoas estão à espera de uma oportunidade para também participarem de alguma ação, pois, sozinhas, muitas vezes, não sabem como fazer ou não se sentem encorajadas. Mas quando encontram uma organização voltada para o serviço da caridade, elas participam.

Neste ano, demos alguns passos para que a caridade fosse mais organizada, enumerando, por exemplo, na internet, as várias iniciativas de solidariedade que existem. É importante que o testemunho da caridade também apareça, não para a vanglória pessoal, mas para a glória de Deus e para que mais pessoas tenham conhecimento e se unam a essas iniciativas.

Que mensagem o senhor deixa para os sacerdotes, religiosos e agentes de pastoral que se dedicaram à missão evangelizadora neste ano?

Continuemos! Ainda temos muito tempo pela frente. Mesmo que a vacina esteja chegando, não será imediatamente para todos, de modo que nós passaremos o ano que vem todo falando de pandemia e tomando os cuidados necessários. Neste ano, aprendemos muito e devemos continuar esse aprendizado no próximo. A vida da Igreja não pode parar. Não podemos imaginar igrejas fechadas durante o ano inteiro. Levaremos adiante nossas atividades e nosso Plano de Pastoral.

Ainda há pessoas que se negam a reconhecer a gravidade da pandemia e até dizem que não irão tomar a vacina. Que recomendação o senhor dá a esse respeito?

Negar a gravidade da pandemia é viver em outro mundo, porque, neste mundo em que vivemos, existe o vírus, o contágio, pessoas que ficam doentes, vão ao hospital e chegam a parar na UTI ou até morrem. Este é o mundo real e devemos ver as coisas como são, não nos deixando iludir por discursos negacionistas. Quanto às vacinas, elas não surgem de repente. Estão sendo apresentadas oficialmente depois de muitos testes, verificações e são validadas pelas organizações responsáveis pela saúde pública. Por isso, a população pode tomá-las com tranquilidade. Naturalmente, se houver alguma restrição a algumas pessoas, as autoridades dirão. Do contrário, todos devem se vacinar. Penso que ninguém deveria se negar a tomar a vacina simplesmente por desinteresse. É preciso pensar que, além de correr o risco de ficar doente, pode transmitir o vírus a outras pessoas. Portanto, é uma questão de responsabilidade pública, de solidariedade e de participação para combater este vírus. Juntos, podemos vencer mais rapidamente esta pandemia.

Nós concluímos este ano com o convite do Papa Francisco para olharmos para São José. Como poderemos viver este ano especial?

O Papa Francisco teve uma belíssima iniciativa ao convocar o Ano de São José no dia 8 de dezembro. As dioceses se organizarão aos poucos para promover iniciativas, como faremos aqui em São Paulo, a partir de fevereiro. São José é um grande homem que Deus escolheu para a missão de cuidar da Sagrada Família e também da Igreja, da qual ele é o padroeiro universal. Todos os católicos são convidados a redescobrir a figura tão importante desse homem santo e justo. Será uma riqueza para a Igreja. Por isso, teremos um ano de São José com muitas atividades em nossa Arquidiocese.

Sempre que começa um novo ano, renovam-se as expectativas e metas. Quais são as esperanças do senhor para 2021?

Devemos compreender que o ano em si não traz nada de novo, mas somos nós que devemos renovar nossos propósitos, atitudes, posturas, planos. Portanto, o ano será novo se nós formos pessoas novas. Desejamos que o ano seja bom para todos, com saúde, com paz, com menos polarização e conflitos por meio das mídias, que criam mal-estar na sociedade. Que neste ano, possamos contar com a bênção e a proteção de Deus todos os dias, com a certeza de que não caminhamos sozinhos, porque o Senhor caminha sempre conosco.