Clima é de respeito e de ‘espírito do Concílio Vaticano II’

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Publicado em: 15/10/2014 - 11:00
Créditos: O SÃO PAULO – Edição 3023, 15 a 21 de outubro de 2014

Por Filipe Domingues, em Roma

Tem se tornado cada vez mais comum nos últimos dias, em Roma, ouvir comparações entre o Concílio Vaticano II e a atual 3ª Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, que discute os problemas da família. Embora haja grandes divergências de ideias entre os mais de 250 participantes do Sínodo da Família, o clima é de atenção e respeito. Em conversas informais com O SÃO PAULO, participantes do Sínodo e observadores de longa data do Vaticano disseram que, guardadas as devidas proporções, é inevitável não lembrar o “espírito do Vaticano II”, grande encontro que ocorreu entre 1962 e 1965, quando representantes de toda a Igreja se reuniram para promover um aggiornamento (atualização) na forma de pensar sua presença num mundo em transformação.

O próprio secretário especial para o Sínodo, Dom Bruno Forte, usou essa comparação. Em uma coletiva de imprensa, ele declarou que um sínodo não se faz somente “escutando a todos”, mas “caminhando juntos”, e que, no fundo, era esse justamente “o espírito do Vaticano II”. “A lógica vencedora não é nunca aquela do tudo ou nada, mas é aquela da paciência com o que está por vir, da atenção às nuances, às diversidades, à complexidade das situações. Parece-me que um dos dados mais belos deste Sínodo é esse espírito de companhia, de acompanhamento e de progressividade, de maturação”, comentou, explicando que o trabalho está só no começo. Ainda há momentos de discussão em pequenos grupos.

Segundo o vaticanista norte-americano John Allen Jr, que há 20 anos analisa o que acontece no Vaticano, neste Sínodo “temos claramente uma reflexão honesta; há uma busca por uma abordagem mais pastoral”. Os padres sinodais têm o objetivo comum de se chegar a uma nova “linguagem”, uma nova maneira de apresentar a doutrina.

Um participante do Sínodo afirmou à reportagem que a grande liberdade dada aos sinodais favorece esse clima de fraternidade. “Podemos dar entrevistas e falar sobre tudo o que acontece na sala sinodal”, disse, ponderando, que, para manter a discrição e o respeito ao debate, não mencionam nomes. A presença do Papa Francisco durante o Sínodo é constante, inclusive na pausa para o café. Os observadores de outras tradições cristãs, entre ortodoxos, anglicanos e protestantes, também foram acolhidos como se fossem já “de casa”, e se sentam perto dos cardeais.

Divulgação do relatório

Um dos fatores que ajudou a garantir essa liberdade aos participantes do Sínodo foi a decisão da secretaria de não divulgar diariamente os discursos das reuniões – como se fazia em sínodos anteriores. A ideia é evitar manipulações externas, especialmente pela imprensa. Porém, alguns bispos, como o cardeal alemão Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, acreditam que o debate tem de ser realizado de forma pública. “Essas intervenções deveriam ser publicadas. Todos os cristãos têm o direito de ser informados sobre as intervenções de seus bispos”, criticou.

Por outro lado, alguns prelados preferem que apenas resumos sejam publicados. Nesse contexto, o Vaticano surpreendeu a muitos quando divulgou um relatório (Relatio post disceptationem), no dia 13, que resume qual é o estado das discussões. Parte dos sinodais crê que isso possa gerar confusão entre os fiéis, já que o texto será modificado. Alguns conceitos precisam ser esclarecidos e outros submetidos à reflexão. Outros acreditam que seja uma forma de transparência e, além disso, de garantir o registro do quanto foi dito até o momento.