‘A prática religiosa ajuda a colocar os cientistas crentes em contato mais próximo com o mistério’

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O jornalista Reinaldo José Lopes fala ao jornal O SÃO PAULO da relação entre fé e ciência, Deus e cientistas
Publicado em: 23/05/2016 - 11:00
Créditos: Jornal O SÃO PAULO - Edição 3102

Por Edcarlos Bispo

O jornalista Reinaldo José Lopes, um dos palestrantes do seminário “Deus e a Ciência – Um cientista pode acreditar em Deus?”, realizado no dia 11, na PUC-SP, pelo Vicariato Episcopal para a Educação e a Universidade, da Arquidiocese de São Paulo, concedeu entrevista ao O SÃO PAULO.

Formado em Jornalismo pela USP, Reinaldo é mestre e doutor em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês pela mesma Universidade, com trabalhos sobre a obra de J.R.R. Tolkien. Reinaldo é autor dos livros “Além de Darwin”, “Os 11 Maiores Mistérios do Universo” e “Deus: Como Ele Nasceu”, e escreve para o blog “Darwin e Deus”, do jornal Folha de S.Paulo.  

Nesta entrevista, o Jornalista fala da relação entre fé e ciência, Deus e cientistas, e apresenta a Laudato si’ como um “exemplo belíssimo” da tentativa de estabelecer um diálogo entre a ciência e a religião. “O Papa Francisco não apenas baseia seu argumento inicial totalmente em dados científicos sobre a gravidade das mudanças climáticas, como vai além e mostra com clareza as implicações éticas e teológicas das verdades que descobrimos pela ciência”.

O SÃO PAULO – Qual a relação entre Deus e os cientistas?

Reinaldo José Lopes - É uma relação que varia muito de cientista para cientista, obviamente. Pesquisas de opinião feitas nos Estados Unidos sugerem que pouco mais da metade dos cientistas não acreditam em Deus. Então, essa questão não se coloca pra eles ou se coloca de maneira negativa, ou seja, enxergam Deus como mera ilusão humana. Por outro lado, houve no passado e ainda há hoje um número significativo de cientistas que enxerga o mistério da existência, a nossa incapacidade de abarcar tudo o que existe no universo apenas com a razão e a experimentação, como algo que aponta para Deus.

Essas pesquisas também falam da relação dos cientistas brasileiros?

Não, infelizmente não temos dados sobre o tema a respeito de cientistas brasileiros. Meu palpite é que os dados aqui seriam bem parecidos, mas é só um palpite.

Onde a religião se encaixa nessa relação?

No caso dos cientistas não crentes, a religião organizada às vezes é vista como algo que tem de ser mantido apenas no foro íntimo da pessoa e que não pode de maneira nenhuma influenciar ou impor barreiras à investigação científica. Mas, para os cientistas crentes, a prática religiosa ajuda a colocá-los em contato mais próximo justamente com o mistério, a beleza e a ordem que eles detectam ao investigar a natureza.

Há uma separação, ou melhor, uma revanche entre ciência e religião, Deus e os cientistas? Se sim, quais caminhos para reverter ou amenizar essa questão?

Não acho que exista uma guerra contínua ou um conflito inevitável - talvez a grande polêmica seja o papel que a religião pode ter no debate público, na legislação etc. Um bom caminho inicial pra amenizar o confronto é cada área reconhecer suas esferas e especificidades autônomas. Não é papel da religião dar respostas sobre fatos científicos, assim como não é papel da ciência provar ou “desprovar” Deus.

Como enfrentar de forma mais decidida a perspectiva conjunta ciência/religião?

Creio que os teólogos deveriam, em primeiro lugar, entender melhor o que a ciência moderna diz sobre a vida na Terra e a estrutura do Universo, por exemplo. A partir disso, acho que vale a pena tentar os “insights” e a beleza dessa visão na maneira como concebemos a relação de Deus conosco e com a criação - sem apagar a Tradição da Igreja, óbvio, mas dando a ela uma nova e bela roupagem, assim digamos.

A Laudato si’ fala da natureza, do planeta e do meio ambiente. Essa Encíclica pode ser vista como uma busca de diálogo entre a ciência e a religião?

Sim, a Laudato si’ é um exemplo belíssimo dessa possível nova visão. O Papa Francisco não apenas baseia seu argumento inicial totalmente em dados científicos sobre a gravidade das mudanças climáticas, como vai além e mostra com clareza as implicações éticas e teológicas das verdades que descobrimos pela ciência. Ele destaca, ainda, a importância da relação entre o homem e as demais formas de vida e aponta, inclusive, para uma escatologia, para uma história da salvação, que engloba todos os seres vivos, já que segundo o Gênesis, toda a C riação é boa e desejada por Deus por ela mesma, e não apenas para servir ao homem.

Mas como essa relação do cientista que crê em Deus se dá na prática? Isso não é um contrassenso?

Não me parece um contrassenso. Essa impressão é preconceituosa, na verdade. A questão é entender como Deus age no Universo. Se você é um cientista que acredita em Deus, você, pela fé, acreditará que Deus é o responsável por estabelecer as leis da natureza que deram origem à complexidade do nosso mundo. Ou seja, não é que Deus fique sem emprego, mas sim que ele atue de modo mais sutil.

Talvez não seria um caminho, para a Igreja, criar ou fortalecer academias e espaços de diálogos com os cientistas?

Sim, seria um bom caminho, e é algo que a Igreja já faz com a Pontifícia Academia de Ciências, da qual participam cientistas de todas as religiões e também cientistas que não são religiosos, mas é preciso ampliar muito mais essas iniciativas.

Quais as alternativas para os jovens viverem essa relação de ciência e religião, principalmente na fase de estudos sobre temas científicos que põem em cheque as coisas que aprenderam na Igreja, na Catequese e na Crisma, por exemplo?

Na verdade é simples. Pra começar, eu sinceramente vejo poucas chances de a crença de alguém ser desafiada durante a época escolar ou mesmo na faculdade. Basta não ser um literalista bíblico - ou seja, achar que os relatos da Bíblia são todos literalmente verdade, coisa que a Igreja já não faz há muito tempo e inclusive não fazia nos primeiros séculos cristãos. Fora isso, basta ter discernimento para separar fatos de interpretações. Que nós evoluímos a partir de um grupo de primatas africanos é um fato; agora, achar que isso “prova” que Deus não existe é uma interpretação que força os fatos a se encaixarem numa visão filosófica pré-concebida.

Como a imprensa vê essa relação entre Deus e Ciência?

Não posso falar pela imprensa inteira, obviamente. Minha percepção, feita essa ressalva, é que a grande imprensa é muito menos religiosa que a média da população - a exemplo da comunidade científica – e, portanto, tem uma tendência a adotar um modelo simplista de confronto entre ciência e religião. É algo que precisa ser melhorado com mais estudo e uma formação mais aprofundada por parte dos jornalistas.