40 anos do grande e importante trabalho da Pastoral do Menor

A A
A Pastoral, que começou na Arquidiocese de São Paulo, realiza a missão de evangelização e defesa dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes
Publicado em: 08/12/2017 - 12:45
Créditos: Redação

Luciney Martins/O SÃO PAULO

Era uma sexta-feira. Dia 13 de julho de 1990. Crianças, adolescentes e outras centenas de jovens e adultos reuniram-se na Praça da Sé para acompanhar a votação que aprovaria o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF). Quando a lei de número 8.069 foi aprovada por unanimidade na Câmara, os gritos e manifestações de alegria em São Paulo puderam ser ouvidos na Capital Federal. Isso graças ao telefone colocado na janela da sala onde está, desde 1989, a sede da Pastoral do Menor, na Praça da Sé, número 184. Por meio de um aparelho telefônico que foi acoplado ao sistema de som da Câmara, a comemoração das crianças e dos adolescentes pôde ser sentida por quem aprovou o ECA, a primeira lei no mundo a seguir a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pelas Nações Unidas em 1989. 

Manuscritos e rascunhos da primeira redação do ECA e até a mesa sobre a qual o texto foi escrito também fazem parte dessa história e estão arquivados no Instituto para o Desenvolvimento Integral da Criança e do Adolescente (Indica), do qual a Irmã Maria do Rosario Leite Cintra é membro. A Religiosa colaborou com a redação do ECA e fez parte da fundação da Pastoral do Menor em 1977, na Arquidiocese de São Paulo, junto a Dom Luciano Mendes de Almeida; Ruth Pastori, Assistente Social; e o Padre Júlio Lancellotti, antes de este se tornar Sacerdote. 

“Quando as estruturas de infância começam a se institucionalizar, aquilo que só a Pastoral fazia vai sendo feito por outras entidades também. A reestruturação das promotorias de infância e juventude, as defensorias, os conselhos tutelares e conselhos de direitos começam a surgir após a aprovação do ECA. Hoje, existem outros atores do poder público e da sociedade civil que realizam este papel, mas a Pastoral continua tendo uma importância muito grande, tanto pela capacidade de atuação, quanto pela linha reta.” 

A declaração é de Eduardo Dias de Souza Ferreira, Promotor de Justiça e Professor da PUC-SP na área de Direitos Humanos, com ênfase em infância e juventude. Ele começou a participar da Pastoral em 1982, quando ainda era universitário, e, mais efetivamente, a partir de 1989. 

A data que marca o início da Pastoral do Menor em São Paulo é 27 de agosto (dia da morte de Dom Luciano, em 2006) de 1977. E o nome dado à Pastoral vem da inspiração bíblica do livro de Marcos “Quem acolhe o menor, a mim acolhe” (Mc 9,37). Em 1987, a Campanha da Fraternidade trouxe esse tema e, na Constituição de 1988, o artigo 227, também recordava que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 

“Se podemos traçar uma linha do tempo, seria interessante dizer que a década de 1970 foi marcada por uma análise de conjuntura e na década seguinte, 1980, a sociedade e a Igreja se organizam para que, em 1990, fosse aprovado o ECA, com todas as mudanças que esta lei traz, sobretudo no que se refere às políticas públicas, que foram sendo estruturas depois disso”, explicou Sueli Maria de Lima Camargo, 60, e atual Coordenadora da Pastoral do Menor. 

Numa entrevista que ela concedeu à reportagem do O SÃO PAULO , na sede que está localizada na Praça da Sé, Sueli contou sua história de quase 30 anos no trabalho de acompanhamento às diferentes realidades que vivem as crianças e os adolescentes e falou sobre os projetos que têm sido pensados para expandir ainda mais essa missão.

 

Gerações comprometidas

Marilda dos Santos Lima faz parte do Conselho da Pastoral do Menor da Região Episcopal Belém, e foi eleita Coordenadora Nacional da Pastoral do Menor (triênio 2018-2020). Ela tem 51 anos e veio com os pais da cidade de Estância (SE) nos anos 1980 para a Capital Paulista, como milhares de outros nordestinos que migraram em busca de melhores oportunidades de vida. 

Quando chegaram e se instalaram no bairro de São Mateus, Marilda disse que a mãe, Miralda dos Santos Lima, encontrou na comunidade, formada sobretudo por Comunidades Eclesiais de Base à época, muito apoio e solidariedade. Logo, ela já era também membro da Pastoral do Menor e ajudava outras famílias que continuavam chegando. 

“Vivíamos numa situação muito difícil. As paróquias eram distantes desses bairros que não tinham nenhuma estrutura, nem asfalto ou energia elétrica. No início, nos encontrávamos nas casas, mas depois começamos a nos reunir nos salões comunitários. Assim, eu ainda adolescente, também colaborava com a Pastoral”, contou Marilda. 

Ela recordou, ainda, que já em 1980, a partir do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, numa parceria da Igreja com o Governo do Estado de São Paulo, mais de 3 mil crianças começaram a ser atendidas em projetos sociais. 

Desde então, Marilda nunca mais se afastou do trabalho junto a crianças e adolescentes. Ela recordou, por exemplo, de um projeto que se chamava Liberdade Assistida. “Dom Luciano percebeu que os meninos saíam das unidades de privação de liberdade (a extinta Febem) e precisavam ser acolhidos. E essa acolhida era feita por casais das paróquias. Esse projeto deu bases para as medidas socioeducativas em meio aberto que hoje são aplicadas”, lembrou.

Atualmente, só no Centro Pastoral Nossa Senhora do Bom Parto, um dos primeiros da Pastoral do Menor, são cerca de 8 mil pessoas atendidas, desde a primeira infância até adultos em situação de rua e de vulnerabilidade.

 

Por direitos e o fim da violência 

Antônio Carlos Malheiros, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e consultor em matéria de infância e juventude no Tribunal, acompanha o trabalho da Pastoral desde o início e já colaborou na resolução de inúmeros casos, sobretudo no que se refere à violação de direitos e violência. 

“A Pastoral é de fundamental importância na vida das crianças e dos adolescentes. Eu sei disso porque, desde a minha própria adolescência, eu trabalho com crianças e adolescentes e hoje percebo a presença contínua da Pastoral, principalmente em relação àqueles mais carentes e menos favorecidos. As violações aos direitos das crianças e dos adolescentes são muitas e isso acaba acontecendo, tragicamente, em todas as faixas sociais. A Pastoral do Menor talvez seja a principal defensora dessas crianças e adolescentes, principalmente dos menos favorecidos”, disse o Desembargador, que por sete anos esteve a frente da Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ele também é professor na PUC-SP. 

“Para que o menino Ezra [Liam Joshua Finck] tivesse um enterro digno após a morte violenta que sofreu, em setembro de 2015, cometida pela própria família, a intervenção de Malheiros foi fundamental, bem como a participação de outras pessoas e instituições com as quais a Pastoral mantém parcerias”, disse Sueli, que em 2018 passará à função de Vice-Coordenadora. A coordenação geral da Pastoral será assumida pelo Padre Luiz Claudio Braga (para o triênio 20182020), que contará com a equipe executiva que tem, além da Sueli, Ivan Bezerra dos Santos, como Secretário, e Olívia Luiz de Sousa, como Tesoureira. 

Para Ariel de Castro, que é advogado e coordena a Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), é importante recordar esse trabalho histórico da Pastoral para a criação do ECA e de outras frentes de atuação, nas quais algumas pessoas foram fundamentais. Ele também acompanhou o caso do menino Ezra e disse que “ele teria sido enterrado como indigente, mas não foi, graças à Pastoral”.