Fala, Senhor!

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20/01/2021 - 11:30

Na imagem de São Paulo, Padroeiro de nossa Arquidiocese, que está em nossa Catedral Metropolitana, dois detalhes chamam a atenção: Paulo, que era um jovem altivo e até soberbo, está agora com o rosto abaixado, em atitude reflexiva. E o pergaminho em sua mão traz inscrita a pergunta: “Quid me vis facere?” – Que queres que eu faça? (At 22,10). A atitude e as palavras de Paulo referem-se ao momento de sua conversão quando, surpreendido por Jesus Cristo, Saulo passa a ser Paulo: de perseguidor de Cristo, torna-se apóstolo e missionário inteiramente dedicado a Cristo e ao Evangelho.

Soberbo e fechado na própria autossuficiência, ouvindo apenas a voz confusa dos seus projetos de glória, Saulo acabou cometendo violências, aprovando o apedrejamento do primeiro mártir, Estêvão (cf. At 22,20), perseguindo e castigando sem dó os seguidores de Jesus. Quando a luz fortíssima, vinda do céu, mostrou-lhe, porém, sua cegueira fanática, e a voz de Cristo o interpelou – “Saulo, por que me persegues?” –, ele caiu em si, tornou-se outra pessoa e reconheceu que não estava servindo a Deus, mas à própria vaidade. E daí por diante, mais humilde e dócil, aceitou ser tomado pela mão do Pedagogo, deixou- -se instruir e abraçou o Evangelho, que antes queria destruir.

A conversão de São Paulo mostra um itinerário de conhecimento falso e conhecimento verdadeiro de Deus, de uma religiosidade falsa e uma religiosidade autêntica. É falsa a religiosidade quando, movida por ambições e vaidades, por projetos ocultos de lucro, poder e dominação, torna-se fonte de violência e opressão contra o próximo e de desprezo pela pessoa e sua vida. Não é por nada que a Palavra de Deus ensina há muito tempo: “Religião pura e sem mancha diante de Deus e Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas dificuldades e guardar-se da corrupção do mundo” (Tg 1,27).

O pergaminho na mão de São Paulo, na estátua da Catedral da Sé, sugere mais alguns pensamentos. A pergunta de Paulo – “Que queres que eu faça?” – é semelhante àquela que o sacerdote Eli sugere ao menino Samuel, que fazia um estágio no templo para se instruir nas coisas de Deus (cf. 1Sm 3,3-10). O texto diz que Samuel “ainda não conhecia a voz de Deus” e o sacerdote Eli lhe ensinou como ouvir Deus: “Se te chamar de novo, responde: ‘Fala, Senhor, teu servo escuta’” (1Sm 3,10). Samuel foi ajudado a ouvir a Deus, – assim como Paulo foi ajudado por Ananias (cf. At 22,12) –, e tornou-se, depois, o grande profeta Samuel.

Alguém os ajudou a reconhecer a voz de Deus e ensinou-lhes os Seus caminhos. Deus fala de muitos modos no interior da consciência e nas circunstâncias da vida, mas é preciso aprender a reconhecer a voz de Deus e a discernir seus caminhos. E são as outras pessoas, já “experimentadas” e familiarizadas com Deus que podem ajudar a fazer isso. Será que nossas crianças e adolescentes ainda recebem essa ajuda para “ouvir a Deus” e reconhecer sua voz no meio de tantas outras? Deveria ser esse o papel de pais, catequistas, pregadores, diáconos, religiosos e sacerdotes e dos demais membros da comunidade de fé: ajudar os membros jovens e ainda não iniciados no caminho da fé a reconhecerem a voz e o chamado de Deus. A iniciação à vida cristã e o processo de catequese, que começa na família, têm esse papel importante e insubstituível. Será que isso continua a acontecer também hoje?

Depois do batismo de Jesus no Jordão, João Batista, falando com os próprios discípulos e com o povo, apontou para Jesus, que passava: “Eis o Cordeiro de Deus!” (Jo 1,36). Era o mesmo que dizer: “O Salvador enviado por Deus é Jesus. A Ele é que vocês devem seguir daqui por diante!” De fato, dois discípulos de João logo seguem Jesus, e Jesus os convida a estarem com Ele para conhecer mais de perto quem Ele é e o que Ele tem a dizer. João Batista ajuda as pessoas a encontrarem Jesus Cristo e Deus. Ele não retém os discípulos junto de si, mas os encaminha para Jesus, como faz um verdadeiro profeta e evangelizador. Não pretende tirar vantagens da pregação para si mesmo e se alegra quando as pessoas encontram Jesus e o seguem: “Importa que Ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30).

E a “pedagogia da iniciação à fé” continua, logo em seguida: André, um dos discípulos de João, que passa a seguir o Messias, vai falar sobre Jesus com seu irmão, Simão, e o leva até Ele. E Jesus chama também Pedro para o seu seguimento. O outro é Filipe: ele vai falar com Natanael e lhe conta sobre Jesus. Mesmo incrédulo, Natanael aceita o desafio de acompanhar Filipe ao encontro com Jesus e acaba se tornando discípulo. E assim, as histórias de quem ajuda outras pessoas a encontrarem Jesus continuaram ao longo do tempo, até os dias de hoje. Discípulos verdadeiros de Jesus ajudam outros a fazerem a experiência do encontro com Ele e a se tornarem discípulos. Quanto é importante essa ajuda para “ouvir a Deus” e discernir o seu chamado! Será que nós também fazemos isso?