Comemorando

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10/09/2021 - 12:45

Dias atrás, um jovem jornalista me perguntou sobre os motivos da comemoração do centenário do Cardeal Paulo Evaristo Arns. Achei que a pergunta poderia ser uma pro[1]vocação, mas levei a questão pelo lado bom e achei que valia a pena responder, pois também podia ser uma busca sincera das razões para essa comemoração. Por quais motivos comemoramos o centenário de Dom Paulo? Ou o aniversário da dedicação da Catedral Metropolitana, como fizemos no dia 5 de setembro? Ou o aniversário da Proclamação da Independência do Brasil, no dia 7 de setembro?

Comemorar significa trazer à memória e recordar. Naturalmente, com características de festa, boas lembranças e algo mais. Não se fazem comemorações de fatos detestáveis. Se muito, deles se faz a lembrança para que isso sirva como advertência, para que nunca mais aconteçam.

Comemoramos o dia da In[1]dependência do Brasil como lembrança de um fato bom e importante para nosso país e o povo brasileiro. Ao mesmo tempo, tomamos consciência de que a independência não diz respeito apenas a circunstâncias e fatos do passado, mas é uma construção contínua, que envolve cada geração, a fim de que os objetivos e benefícios da independência cheguem a todos os brasileiros. Assim, constatamos que, quase 200 anos após a Proclamação da Independência, seus benefícios ainda não chegaram a grande parte dos brasileiros. Temos muito a fazer, também em nossos dias, para que isso aconteça.

Há muito o que fazer para que a grande desigualdade social e econômica do Brasil seja supera[1]da; que os benefícios da educação, saúde, saneamento básico, trabalho, habitação e alimento diário cheguem a todos. A In[1]dependência do Brasil precisa se refletir numa convivência respeitosa, fraterna e solidária, em que violências, discriminações e ódios sejam superados.

A comemoração da Independência do Brasil é um chamado a olhar para o presente e o futuro, com a renovação do compromisso de trabalhar pelo bem do Brasil, considerado em sua enorme diversidade regional, social, cultural e humana. Um país verdadeiramente independente não abandona nem descarta nenhum de seus filhos. A comemoração do centenário do Cardeal Paulo Evaristo Arns, quinto arcebispo metropolitano de São Paulo, é um convite a fazer memória desse grande cidadão, Bispo e Pastor da Igreja, de sua personalidade marcante e os múltiplos aspectos de seu empenho no serviço à Igreja e à sociedade. É hora de lembrar, para não esquecer, o legado e as lições que Dom Paulo deixou. A Igreja faz história nos acontecimentos e pessoas que testemunham tempos e situações vividas por ela e pela comunidade humana e atitudes tomadas no desempenho de sua missão.

Dom Paulo viveu num momento muito especial da vida da Igreja, logo após o Concílio Vaticano II, que procurou colocar em prática na sua ação pastoral. Mas também viveu um tempo difícil na história do Brasil e não ficou indiferente diante da situação vivida pelo povo brasileiro, empenhando-se com coragem e esperança para a superação das agressões à dignidade humana e para o retorno à convivência democrática.

Não há um tempo igual ao outro, embora possam existir muitas semelhanças. Fazer a memória de personalidades do passado serve para nos inspirar na construção do presente e na projeção do futuro. Uma construção boa requer bases sólidas. A base sólida da Igreja é sempre Jesus Cristo, a Palavra de Deus e o testemunho dos após[1]tolos. Mas ela também olha para as situações já vividas ao longo de dois milênios e para o testemunho dos seus grandes protagonistas, ao longo dessa história, perscrutando suas vidas e sua obra, para discer[1]nir sobre o presente e sobre decisões a tomar.

Faço votos de que o centenário do nascimento de Dom Paulo Evaristo Arns, que vamos abrir solenemente no próximo dia 14 de setembro, ajude a Igreja e a sociedade a se confrontar com o testemunho e as lições que ele deixou.

Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo
Publicado em O SÃO PAULO, na edição de 10/09/2021