Zika, microcefalia e aborto

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11/02/2016 - 08:00

Nunca se falou tanto em mosquito! E não é por nada, pois o bichinho não só é capaz de fazer musiquinha chata no ouvido na hora que a gente quer dormir, mas pode causar uma série de problemas à saúde, transmitindo vírus causadores de doenças perigosas, como febre amarela, dengue, chikungunya e zika.

Sua carga viral pode causar danos irreparáveis à saúde dos bebês por nascer. Mesmo sem haver ainda uma comprovação científica cabal até este momento, tudo indica que o vírus zika, transmitido pelo pernilongo pintadinho, chamado com o nome erudito de aedes aegypti, é causador da microcefalia nos fetos e crianças em gestação.

A preocupação é grande no Brasil e no mundo inteiro. Não se pode vacilar e, além de usar proteções diversas para não ser picado pelo mosquito, é preciso lutar para acabar com ele. Nessa guerra contra o inimigo público comum, ninguém está dispensado: nada de água parada descoberta, pois é lá que ele bota os ovos e multiplica sua força de ataque virulenta. Vasos de flor, frascos, pneus velhos ou quaisquer recipientes de água deixados por aí, até as belas bromélias e outras flores, podem virar criadouros do mosquito.

O cuidado para não ser picado pelo aedes aegypti já não basta: já são várias as formas de transmissão do vírus zika, causador da microcefalia: pelo sangue, a saliva e pela urina de quem está infectado. Até as relações sexuais poderiam favorecer a proliferação do vírus. Todo cuidado, portanto, é recomendado a quem tem ou teve uma febre por causa do vírus zika, para não passá-lo a outros. A supervisão médica é recomendada em todo caso.

Como era de se esperar, o aumento dos casos de microcefalia nesses tempos de zika reanimou os defensores da “descriminalização” do aborto: querem aproveitar a psicose geral para conseguir a aprovação do Congresso Nacional, ou pelo casuísmo no Supremo Tribunal Federal, as possibilidades de mais um caso de “aborto legal”. Até uma autoridade da Organização Mundial da Saúde, da ONU, recomendou com ênfase que os países onde anda o vírus zika, devem descriminalizar o aborto.

Compreendo a aflição das mulheres, que se vêm na situação de gerar um filho com microcefalia. Elas precisam ser amparadas e preparadas para terem seu filho e cuidar dele adequadamente. E a mulher tem uma grande capacidade de acolher e amar o que é pequeno, frágil e necessitado de proteção e amparo. Que outra coisa poderia ser feita, sem deixar de ser uma decisão nobre e digna da condição humana?

Afinal, por quais motivos, tanta insistência no aborto neste momento? Não é o caso de insistir muito mais no combate ao mosquito e na pesquisa científica, em vista de uma vacina eficaz contra os efeitos do vírus? Por que os fetos e bebês por nascer têm de ser as vítimas do zika e também da sociedade, que não quer saber de indivíduos com defeitos ou deficiências? Que cálculos são esses, que levam logo à petição da pena de morte para esses nascituros, já prejudicados pela natureza impiedosa?

Insiste-se em suprimir a vida de seres humanos e inocentes porque são indesejados; ou porque terão um “padrão de qualidade” inferior ao sonhado e estabelecido pela sociedade dos fortes, belos e sadios. De fato, a lógica parece simples: serão seres com baixa capacidade intelectual e renderão pouco para a sociedade; serão pesados a ela e não serão capazes de competir e se afirmar num mundo exigente, que despreza os fracos. Enfim, não serão “vidas viáveis” para eles próprios, nem adequados às expectativas de futuro para a sociedade. Haveria outros motivos mais convincentes para decidir pela supressão de seres humanos, antes mesmo de nascerem?

A pressão pela legalização do aborto de seres humanos com deficiência é contrária à misericórdia: quer resolver o sofrimento e o desconforto, suprimindo o ser humano que, sem culpa sua, possa ser o motivo do desconforto. A misericórdia, própria de Deus e ensinada por Jesus, leva a acolher o pequeno, o frágil, o indesejado, o feio, o incapaz, o rejeitado... E a amar com amor infinito, restaurando sua deficiência. Aborto de crianças com microcefalia está em aberto contraste com a misericórdia. De que lado ficamos?

Publicado no jornal O SÃO PAULO - Edição 3088 - 11 a 16 de fevereiro de 2016