São José de Anchieta e as obras de misericórdia

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08/06/2016 - 10:00

No Ano Santo extraordinário da Misericórdia, o Papa Francisco nos convida a buscar, de forma renovada, a misericórdia de Deus. Significa, antes de tudo, reconhecer que Deus é misericordioso e indulgente para conosco; somos criaturas frágeis e, ao aceitar com humildade a mão misericordiosa de Deus estendida para nós, somos vivificados e restaurados em nossa dignidade.

O mundo está carente de misericórdia; de vez em quando, algum fato extraordinário consegue mexer um pouco a geral insensibilidade e indiferença diante do sofrimento do próximo: uma jovem, que é vítima de estupro coletivo aviltante; um bebê, encontrado boiando nas ondas do mar, vítima de afogamento com seus pais, enquanto fugiam dos horrores da guerra; um menino de 10 anos, baleado e morto ao volante do veículo que roubava... Nessas situações, percebemos os horrores da violência e da insensibilidade diante dos sofrimentos do próximo.

A misericórdia restaura a dignidade e faz voltar à vida; faz perceber de novo a beleza do desígnio de Deus que nos criou para sermos fraternos, membros de uma grande família e atentos uns aos outros, sobretudo às necessidades dos irmãos mais vulneráveis. Jesus, “rosto humano do Pai misericordioso” (“misericordiae vultus”), não fechou o coração diante das necessidades de ninguém que recorresse a Ele; Ele mesmo é o Bom Samaritano da humanidade, que não deseja a morte do pecador, mas que todos se convertam e vivam.

O Papa Francisco nos convidou a olhar para o exemplo dos “Santos da misericórdia”, que imitaram Jesus na prática das obras de misericórdia. São tantos, ao longo de toda a história da Igreja, graças a Deus! Proximamente, no dia 4 de setembro, será canonizada Madre Teresa de Calcutá, uma santa dos nossos tempos, cuja imensa caridade para com os mais pobres dentre os pobres ficou bem conhecida no mundo inteiro. Ela deixou a todos um testemunho da prática concreta da misericórdia. Aqui, entre nós, lembramos, sobretudo, Santa Paulina (Madre Paulina) e a Beata Assunta Marchetti, duas mulheres dedicadas às obras de misericórdia, que viveram nesta cidade.

No dia 9 de junho, recordamos São José de Anchieta, Apóstolo do Brasil. Ele foi, com seus companheiros missionários jesuítas, o iniciador da evangelização e da vida da Igreja neste lugar, que veio a se tornar a metrópole de São Paulo. Mas São José de Anchieta também se distinguiu pela prática das obras de misericórdia corporais e espirituais. Abandonar a sua pátria e uma carreira promissora, para abraçar a vida missionária e levar a Boa-Nova aos que ainda não a conheciam foi uma grande obra de misericórdia.

Mas também o foram seu ardor pela educação dos indígenas; o cuidado aos doentes, que o fazia empreender longas e penosas caminhadas pelas matas; seu zelo e coragem em defender os indígenas, cuja dignidade não estava sendo respeitada; sua dedicação abnegada à paz, no conflito da Confederação dos Tamoios; a edificação da primeira “Misericórdia” (Santa Casa) no Rio de Janeiro e no Brasil; seu zelo missionário, que o levou a dar origem a muitas iniciativas missionárias ao longo da extensa costa atlântica.

E o foram, ainda, a sua paciência em suportar e aceitar os incômodos da saúde precária, o desconforto das jornadas missionárias, as perseguições, a sua constante oração pelos “gentios”, a quem desejava levar o conhecimento de Jesus Cristo Salvador. Certamente, ele mesmo não chamou tudo isso assim, mas foram obras de misericórdia espirituais e corporais, com certeza!

Olhar para os “Santos da misericórdia” é aprender deles a praticar a misericórdia. Muitos deixaram obras duradouras, que continuam sendo um convite a somar com eles na prática das obras de misericórdia. São Vicente de Paulo deixou iniciativas que duram até hoje e nos convidam a aderir e a praticar a caridade organizada; assim também Madre Teresa, Madre Paulina, Madre Assunta. E não esqueçamos as obras voltadas para a educação, iniciadas por santos e continuadas ainda hoje por comunidades de vida consagrada religiosa; e as iniciativas voltadas para a saúde, para os prisioneiros, os drogados e dependentes químicos, para a infância abandonada ou em situação vulnerável...

São José de Anchieta e tantos outros “Santos da misericórdia” nos dão o bom exemplo e nos convidam a sermos seus companheiros na escola do Evangelho, onde aprendemos a ser “misericordiosos como o Pai celeste” – misericordes sicut Pater.

Publicado no jornal O SÃO PAULO - Edição 3105 - 8 a 14 de junho de 2016.