Pátria: da perplexidade ao compromisso

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06/09/2016 - 18:15

O Dia da Pátria deste ano transcorre num clima nebuloso. Estamos saindo de um processo de impeachment, que afastou a ex-presidente Dilma Rousseff e deixou ressentimentos e feridas na população e no ambiente político. Há quem considere que a convulsão desencadeada foi desproporcional e o resultado faz lembrar o velho ditado: a montanha pariu um rato.

Inevitável é pensar que o processo deixou no ar mais interrogações do que certezas. Não ficou claro nem convincente o fatiamento, na votação final do Senado Federal, do dispositivo legal segundo o qual a perda do mandato do governante implica, ipso facto, na sua inelegibilidade. Havia convicção sobre a culpabilidade da ex-presidente, sim ou não? A manobra regimental aplicada pelo Senado, à revelia do disposto pela Constituição, seria apenas uma delicadeza para com a ex-presidente, ou serviria para criar um precedente nada sutil a ser aplicado em outros casos?

No fim das contas, tudo acabou no Supremo Tribunal Federal, que deverá se pronunciar sobre a legitimidade das decisões de outro Poder da República. Os Poderes da República são independentes, mas não estão acima da Constituição. Se a Política foi parar na Justiça, o que será do País, se também a decisão da Justiça for contestada? A quem recorrer ainda? Chegamos a um preocupante beco sem saída.

Talvez console o pensamento de que não somos os únicos que vivem um impasse político: na Espanha, vão às eleições pela terceira vez em pouco tempo, para ver se conseguem formar um governo para o país; o Líbano vive há vários anos sem conseguir um acordo para ter um presidente. Mas, não esqueçamos, são sistemas políticos diferentes do brasileiro.

A festa da Pátria deveria oferecer um momento de reflexão, ânimos algo mais serenados, sobre o que realmente importa para o bem do Brasil nesta hora. As olimpíadas e o processo do impedimento de Dilma Rousseff quase nos fazem esquecer que as eleições municipais estão às portas. E essas eleições, na base do sistema político, têm grande significado e importância; nos municípios, há o contato político direto dos pretendentes a cargos com os eleitores; e sobre essa base, embora ainda frágil do ponto de vista da organização, se edifica todo o sistema dos partidos e dos governos.

Não se pode minimizar as eleições municipais, nem há tempo a perder; antes de votar, os eleitores precisam conhecer bem os candidatos e seus partidos, junto com suas propostas, quer para o Poder Legislativo municipal (vereadores), quer para o Executivo (prefeito). Votar sem informação adequada é um risco e este momento é o melhor para não aprovar “fichas sujas” e para cortar corrupção pela raiz. É hora também de selecionar quem se apresenta, de fato, comprometido com o bem comum e não apenas com interesses privados.

Partidos são importantes, porque, normalmente, têm programas que devem ser seguidos por todos os seus membros mandatários; é preciso conhecer os programas e propostas; posturas partidárias intransigentes e fanáticas nem sempre estão comprometidas com o bem comum e, talvez, tenham mais em vista um projeto de poder do que o verdadeiro a serviço de um grupo.

O Papa Francisco, na linha do ensino social da Igreja, de longa data, encorajou os católicos a se envolverem na vida política e na escolha de bons representantes para governar e legislar. É um dever de todo cristão trabalhar para o bem comum. “Os leigos cristãos devem trabalhar na política”, orientou o Papa (cf. discurso na sala Paulo VI, 7.06.2013). E os Padres, no exercício do seu ministério pastoral, devem ajudar o povo católico a ter o senso do bem comum e da boa participação política.

A Igreja não é um partido e sua ação evangelizadora e pastoral não pode ser reduzida ao programa de uma militância partidária. As paróquias e comunidades eclesiais devem manter aberto o campo para diversas opções partidárias legítimas, que não se oponham aos princípios do Evangelho e da doutrina da Igreja. O ensino social da Igreja oferece os elementos para a formação política do povo católico e a preparação de boas lideranças sociais, que possam oferecer sua contribuição nos vários campos da ação social e política nas comunidades.

 Cardeal Odilo Pedro Scherer

Arcebispo metropolitano de São Paulo