O Papa e o Patriarca se encontraram

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17/02/2016 - 09:45

No dia 12 de fevereiro, o Papa Francisco e o Patriarca Cirilo (Kirill), da Igreja Ortodoxa Russa, encontraram-se e emitiram uma Declaração conjunta. Esse dia será lembrado no futuro como um marco no diálogo ecumênico.

Aconteceu no aeroporto internacional de Havana (Cuba), durante uma etapa da viagem do Papa Francisco ao México. Não estava no programa até poucos dias antes do início da viagem. Não aconteceu no Vaticano, nem em Moscou, possivelmente por causa das dificuldades, ainda enfrentadas, para que esse encontro de alto nível acontecesse; e não aconteceu no México, porque o programa da visita do Papa já estava consolidado e não previa o encontro. Aconteceu em Cuba, mas não se tratou de uma visita a esse país: tudo se passou numa sala do aeroporto internacional de Havana e durou apenas duas horas.

Mas esse breve encontro dos chefes das duas Igrejas cristãs foi de grande significado. A Igreja Ortodoxa organiza-se em torno de alguns grandes patriarcados, como o da Grécia (“Constantinopla”), de Antioquia e de Moscou, e seus Patriarcas exercem sobre suas comunidades uma autoridade semelhante à do Papa sobre a Igreja Católica Apostólica Romana. O movimento ecumênico do século XX suscitou iniciativas de aproximação e diálogo entre as Igrejas Ortodoxas e a Igreja Católica, na busca da unidade dos cristãos.

O grande cisma do Oriente, de 1054, significou a separação da Igreja do Oriente em relação à Igreja do Ocidente, que ficou unida ao Papa de Roma; surgia, assim, a Igreja Ortodoxa, inicialmente sob o comando de Constantinopla, hoje Istambul, na Turquia. Em seguida, surgiram os Patriarcados Ortodoxos, conhecidos hoje. Razões históricas e culturais, sobretudo políticas, levaram a essa grave divisão (cisma) na Igreja de Cristo. Diferenças doutrinais em relação à Igreja Católica existem, mas não são tantas; aparecem mais as questões eclesiológicas, de tipo organizativo e disciplinar.

Ainda durante o Concílio Ecumênico Vaticano II, concluído em 1965, o Papa Paulo VI e o Patriarca greco-ortodoxo Atenágoras tiveram um encontro memorável, que trouxe esperança e fez avançar muito a aproximação entre as duas Igrejas. Outros encontros semelhantes aconteceram em seguida, com chefes de várias Igrejas cristãs. Ainda faltava o abraço fraterno entre o Papa e o representante do maior grupo ortodoxo, justamente o da Rússia; felizmente, aconteceu agora, em Havana, 50 anos após o encontro de Paulo VI com Atenágoras.

Como é inevitável, esse encontro vem sendo interpretado de variadas maneiras. No entanto, é preciso manter o foco na intenção do Papa e de Cirilo, manifestada na Declaração: avançar no ecumenismo, um caminho difícil que enfrenta muitos obstáculos, mas não está morto, nem parado. O encontro de Cuba não resolveu todos os problemas, mas abriu uma nova etapa nas relações entre as duas Igrejas representadas por Francisco e Cirilo. É preciso perseverar e ter paciência, na certeza de que a palavra de Jesus, na última ceia – “Pai, que todos sejam um...” – indica a meta do caminho.

A Declaração assinada pelo Papa e o Patriarca tem como ponto forte a defesa dos cristãos de todas as confissões contra as perseguições na atualidade, sobretudo no Oriente Médio e em algumas regiões da África. Vivemos uma época de sofrimentos, torturas e discriminações dos cristãos como poucas vezes houve no passado. Na Síria acontece um verdadeiro genocídio contra os cristãos. Francisco e Cirilo levantaram a voz para denunciar essas violências e para defender os cristãos e outras minorias religiosas naquela região do mundo. As circunstâncias históricas dolorosas enfrentadas hoje pelos cristãos fazem esquecer antigas feridas, para unir esforços em favor dos que sofrem, independentemente de confissão religiosa.

A Declaração comum não esconde as dificuldades ainda existentes na relação entre as duas Igrejas de Cristo; o caminho ecumênico não é irenista e não se faz a qualquer preço, mas à luz da verdade e com boa vontade. Ao mesmo tempo, é feito um apelo para que as razões históricas que levaram ao cisma no passado não se constituam em obstáculo intransponível e permanente à unidade dos cristãos. As circunstâncias atuais são uma ocasião para que os cristãos das diversas Igrejas se aproximem e unam esforços na promoção da dignidade humana, da justiça e da paz. Questões doutrinais, eclesiais e culturais poderão ser mais facilmente superadas, se houver esse esforço comum no testemunho do Evangelho de Cristo.

Publicado no jornal O SÃO PAULO - Edição 3089 - 17 a 23 de fevereiro