Leigos: uma Igreja de batizados

A A
05/04/2016 - 23:00

A 54ª assembleia geral anual da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) inicia seus trabalhos nesta semana, junto ao Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. Muitos são os temas em pauta, referentes à missão dos bispos católicos no Brasil. O tema central é a vida e a missão dos cristãos leigos na Igreja e na sociedade: eles são chamados a ser “sal da terra, a luz do mundo e o fermento na massa”, conforme recomendação de Jesus a todos os seus discípulos (cf Mt 5, 13-16).

A missão do leigo decorre do Batismo, e não de um chamado especial da Igreja. Todos os batizados são, pela própria adesão de fé a Cristo e ao Evangelho, discípulos missionários de Jesus Cristo; como tal, recebem a graça do Espírito Santo e são constituídos testemunhas de Cristo no mundo: “vós sois minhas testemunhas”. Os símbolos do sal e da luz, no rito do Batismo, bem lembram que os cristãos recebem a sabedoria e a força transformadora de Cristo Salvador, que devem testemunhar e irradiar na sua vida.

Essa realidade bonita de nossa fé deveria aparecer fortemente na vida social e na cultura dos povos, sobretudo onde os cristãos são uma presença expressiva. Mas não é sempre isso que acontece. Como explicar a escassa e, muitas vezes, inexpressiva presença dos católicos nos diversos âmbitos da vida pública? Como explicar a frequente indiferença geral diante das situações de dor, sofrimento, degradação social e moral na convivência social? O sal perdeu a sua força? A luz ficou escondida ou apagada?

Talvez precisemos compreender melhor esse fato, não condizente com a própria missão da Igreja. Talvez haja uma compreensão equivocada da própria Igreja e de sua presença no mundo. Muitas vezes, os católicos evitam a participação ativa das responsabilidades sociais e públicas por temer que isso os coloque em conflito com a fé e a moral da Igreja; talvez os âmbitos das responsabilidades públicas sejam vistos como campos minados ou contaminados, quando não corrompidos, dos quais é melhor estar longe... Pode ainda acontecer que se continue a pensar que a Igreja é uma espécie de “mundo à parte”, um mundo salvo e puro, único lugar seguro e oxigenado, onde se pode respirar e cultivar a vida santa, sem maiores riscos...

Isso pode denotar uma escassa evangelização e formação do povo católico; as convicções da fé cristã e da visão do mundo, do homem e da sua atuação no mundo não conseguem ser bastante lúcidas e fortes, para serem consequentes e incisivas no mundo secular; as ideologias e a cultura dominante acabam tendo maior força de motivação para os católicos na sua presença pública.

Talvez se trate também de uma compreensão insuficiente da própria Igreja de Cristo e de sua missão. Como imaginamos a Igreja? Uma organização do clero, que oferece ao povo determinados bens e produtos religiosos, numa espécie de relação comercial, ou de benfeitor-beneficiado? Por qual motivo a Igreja de Cristo é identificada imediatamente com o clero e não se pensa na multidão de batizados, que também são Igreja? Será que compreendemos a Igreja como o povo de discípulos missionários de Jesus Cristo, presente no mundo para testemunhar e anunciar a vida nova que vem do Evangelho de Cristo? Ainda imaginamos o mundo como um mar agitado e abandonado às forças do mal, onde a Igreja é uma espécie de “barca da salvação”, que recolhe os náufragos e os coloca a salvo, “fora” do mundo?

A forma como pensamos a Igreja tem muito a ver com duas situações relacionadas entre si, e que enfrentamos: o clericalismo e a ausência dos leigos na vida da sociedade. São formas de pensamento que refletem modos de agir e viver. Estamos acostumados ao conceito cultural e público, segundo o qual a Igreja é uma organização clerical, que oferece benefícios sagrados e humanitários ao povo... É uma imagem insuficiente e até equivocada. Como mudar essa linguagem sobre a Igreja? Como ajudar os próprios filhos da Igreja a compreender que todos eles formam esse povo de batizados, no meio do qual há dons, vocações e missões diversas?   Antes de ser formada de clero, religiosos e leigos, a Igreja é feita de batizados, que estão presentes em todo o tecido social. Cristo é a cabeça da Igreja, seu corpo; os batizados são membros desse corpo e todos têm a mesma graça e dignidade originária, que vêm da Cabeça. Todos são participantes da missão dada por Jesus a seus discípulos: serem suas testemunhas no mundo. Cada um, com dons e capacidades próprias; dons e “ministérios” não são anulados, mas a prioridade é da pertença comum a Jesus Cristo e do testemunho do Evangelho.

Para compreender melhor a posição dos leigos na Igreja e sua missão específica na Igreja e no mundo, não seria melhor falar da Igreja como “povo de batizados”, antes de falar de “clero, leigos e religiosos”? É assim que faz o Concílio Vaticano II, na sua Constituição Dogmática “Lumen gentium”, sobre a Igreja. Todos os batizados, discípulos de Cristo presentes no mundo, são, a seu modo, a presença da Igreja lá, onde cada um está; o vasto mundo secular e das relações humanas, desde as familiares, são os campos privilegiados do testemunho cristão e da contribuição dos cristãos para a edificação da sociedade.

Publicado no jornal O SÃO PAULO - Edição 3096 - 6 a 12 de abril de 2016