Estive doente e cuidastes de mim

A A
15/02/2017 - 08:45

O cuidado dos doentes foi sempre uma das principais ações pastorais da Igreja ao longo dos séculos. E também foi uma das últimas recomendações de Jesus aos apóstolos, quando os enviou em missão, antes de se elevar ao céu. “Curai (cuidai) os doentes”. Nos Atos dos Apóstolos e nas Cartas Apostólicas, constatamos que os apóstolos e a comunidade cristã primitiva levaram isso bem a sério.

O cuidado dos doentes foi traduzido na visita aos doentes e seus familiares, na busca de medicamentos e formas de cura, na assistência religiosa e sacramental e na oração sobre eles. Surgiram também as irmandades que se ocupavam dos enfermos e os primeiros hospitais tiveram sua origem também na ação da Igreja em relação aos doentes. Congregações e Ordens religiosas foram fundadas para se dedicarem aos enfermos.

Não era para menos. O próprio Jesus deu o exemplo e os encontros com os doentes e atormentados de todo tipo de males marcaram sua vida pública. É sobretudo o evangelho de São Marcos que mostra como os doentes procuravam Jesus para serem curados de seus males: “nos povoados, cidades e campos aonde chegava, colocavam os doentes nas praças e pediam-lhe para tocar, ao menos, a barra de sua veste. E todos os que o tocavam ficavam curados” (Mc 6,56).

Jesus tinha sempre uma atenção especial para com os doentes e não deixava ninguém sem ser atendido, mesmo quando eram os pagãos a pedirem a cura. O próprio nome Jesus significa “Deus salva”, ou “Deus cura”: curar e salvar fazem parte da mesma ação salvadora de Deus em favor da humanidade por meio de Jesus.

Na sua mensagem para o Dia Mundial do Enfermo deste ano, celebrado no dia 11 de fevereiro, o Papa Francisco recorda algumas questões importantes, que não devem ser esquecidas no cuidado para com os enfermos. O doente, seja qual for a sua situação, continua sendo uma pessoa humana, com toda a sua dignidade. Portanto, não deve ser tratado como mero “objeto” de cura e de cuidados. Isso requer que se respeite plenamente sua condição humana, com sensibilidade atenta, pois quem sofre no corpo também fica abalado na alma e precisa de compreensão, paciência da parte de quem cuida dele, encorajamento e apoio humano e espiritual.

Lembra também o Papa que o enfermo precisa de cuidados médicos para a cura dos seus males físicos, mas também de “cura espiritual”, na forma da oração, da assistência religiosa e do sustento da sua fé. A Palavra de Deus e os Sacramentos são importantes “remédios espirituais”, que não devem ser negligenciados no cuidado dos doentes. A palavra da fé, por outro lado, poderá ajudar o enfermo a compreender e viver essa condição em sua vida, ainda que seja transitória, como uma ocasião importante para se situar diante da própria vida e se aproximar de Deus. A Palavra de Deus ensina que é nos momentos de fraqueza que a força de Deus se manifesta mais plenamente!

A terceira recomendação do Papa Francisco é para os próprios enfermos: eles são membros do corpo de Cristo, a sua Igreja, e podem ajudar muito na realização da missão da Igreja, na medida em que unem seus sofrimentos aos da cruz de Cristo pela sua própria salvação e pela salvação da humanidade. Os enfermos podem realizar um fecundo apostolado, cujo valor só Deus conhece plenamente. Portanto, sem deixar de buscar a cura das enfermidades, os doentes podem ser ajudados a não desperdiçar esse momento importante de sua vida, tornando-o proveitoso para eles próprios e para os outros.

A Pastoral da Saúde e a Pastoral dos Enfermos devem andar juntas, tendo sempre em vista a pessoa do enfermo, em primeiro lugar; por isso, a atenção aos doentes nas casas, nos hospitais ou instituições similares deve estar entre as ações pastorais prioritárias de nossas famílias, paróquias e organizações eclesiais. É missão da Igreja, através dos sacerdotes, diáconos e outros ministros, continuar a fazer como Jesus fez: ir ao encontro dos enfermos onde quer que estejam, ouvir suas histórias e lamentações, compartilhar suas dores, impor-lhes as mãos, rezar sobre eles, levar-lhes a Palavra de Deus e também lhes oferecer a Eucaristia e a Unção dos Enfermos, se são pessoas de fé.

A Pastoral dos Enfermos e da Saúde nunca poderá ser deixada em segundo plano na Igreja. Se ela falta nas paróquias, fica faltando um aspecto importante da missão que Jesus confiou à Igreja; sem esquecer que Ele próprio também se identifica com os enfermos: “estive doente e cuidastes de mim”. Não aconteça que, no dia decisivo do juízo final, nos seja dito: “estive doente e não cuidastes de mim (cf. Mt 25).

Cardeal Odilo Pedro Scherer

Arcebispo metropolitano de São Paulo

Artigo publicado no Jornal O SÃO PAULO - edição 3138 - de 15 a 21 de fevereiro de 2017