Católicos na vida pública

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10/03/2016 - 10:45

O tema principal da próxima assembleia geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de 6 a 15 de abril, será a vida e a missão dos cristãos leigos. São eles o “sal da terra, a luz do mundo e o fermento na massa”, conforme recomendação de Jesus aos discípulos (cf Mt 5, 13-16).

A presença e atuação dos leigos na vida pública também foi tema da recente assembleia plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina, de 1º a 4 de março passado, em Roma. Partiu-se de uma constatação intrigante: como explicar a generalizada escassez e até ausência de católicos nos espaços da vida pública? A observação vale, de maneira generalizada, para todas as nações onde os católicos têm presença expressiva.

Por “vida pública”, entendem-se os âmbitos das responsabilidades comunitárias e públicas, como as lideranças sociais, políticas, os serviços da justiça e da educação, a formação da opinião pública, a promoção da cultura e as causas sociais e ambientais. Não é que faltem católicos em todos os espaços do convívio social; a questão é saber se essa presença faz alguma diferença e leva a alguma contribuição específica e significativa para a vida comum e as responsabilidades públicas?

No período posterior ao Concílio Vaticano II, houve logo grande movimentação dos leigos na Igreja que, geralmente, deu atenção destacada ao laicato. O Concílio, de fato, evidenciou de forma nova a vocação e a missão dos leigos na vida e na missão da Igreja, sobretudo na Constituição Dogmática Lumen Gentium, sobre a Igreja, e no Decreto Apostolicam Auctoritatem, sobre o apostolado dos leigos. Pelo Batismo, os leigos são membros do Corpo de Cristo a pleno título e com dignidade igual, não podendo ser vistos apenas como “destinatários” da ação da Igreja.

Certamente, seguiu-se uma acentuada tendência a valorizar os leigos em vista de sua participação nas responsabilidades internas da vida eclesial; muitos foram incentivados a serem participantes dos diversos serviços da liturgia, da evangelização e da Catequese, das iniciativas missionárias, da administração dos bens da Igreja, dos diversos conselhos da organização e da vida eclesial. Muitas vezes, essa maior responsabilização dos leigos também veio como uma forma de suplência para a escassez de clero.

Essa valorização da dignidade do leigo e da sua contribuição na vida interna da Igreja não está errada, nem equivocada. No entanto, muitas vezes, a forma como se fez pode ter deixado na sombra, ou até esquecido, a dimensão propriamente “secular” da vocação e missão do leigo; nem sempre, ele recebeu o mesmo estímulo e orientação para a sua atuação, como discípulo de Cristo, no vasto e complexo mundo da vida social e das responsabilidades públicas, onde a Igreja não está presente como instituição, nem é promotora das ações e iniciativas.

E, no entanto, é bem esse o campo ordinário e prioritário da missão do leigo, conforme ensinamento do Concílio, retomado na Exortação Apostólica Christifideles Laici e em muitos outros pronunciamentos sucessivos do Magistério da Igreja. É participando da vida da sociedade, do mundo do trabalho e da economia, das diversas responsabilidades públicas, entre as quais, a política, que o leigo é chamado e enviado a transformar o mundo, com a força do Evangelho, para que seja permeado pelo Reino de Deus.

Essa missão do leigo pode ser bem difícil e desafiadora, necessitando da graça especial de Deus e exigindo dele fé firme e esclarecida e adesão fiel à Igreja. E também requer da comunidade cristã apoio e encorajamento; a comunidade cristã de pertença deveria ser para os leigos o espaço de reabastecimento das energias espirituais e místicas, bem como de discernimento para a sua ação no mundo.

A missão do leigo decorre do Batismo e não de um chamado especial da Igreja. Todos os batizados são, pela própria adesão de fé a Cristo e ao Evangelho, discípulos missionários de Jesus Cristo; como tal, recebem a graça da vida nova, que vem do Espírito Santo, e do envio a serem testemunhas de Jesus Cristo no mundo: “vós sois minhas testemunhas”. Os símbolos do sal e da luz, presentes no rito do Batismo, bem lembram que os cristãos recebem a força preservadora e transformadora do Evangelho, que devem irradiar no mundo.

No entanto, a pergunta intrigante permanece: como explicar e, sobretudo, mudar, a escassa presença e atuação dos leigos católicos na vida pública?

Publicado no jornal O SÃO PAULO - Edição 3092 - 10 a 15 de fevereiro de 2016