Casamentos nulos

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16/09/2015 - 10:00

No dia 8 de setembro passado, foi publicada a Carta Apostólica Mitis Iudex, Dominus Iesus (O Senhor Jesus, Juiz clemente), do Papa Francisco, sobre o processo para a declaração de nulidade matrimonial. Trata-se de uma reforma do Direito Canônico, no que diz respeito a esses processos.

A medida responde a numerosos pedidos, feitos em tal sentido durante a assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos, em 2014; mas também a indicações dadas pelos cardeais no Consistório de fevereiro de 2014. Era claro e forte o desejo de tornar mais ágeis e acessíveis aos fiéis os processos para a nulidade matrimonial.

É bastante compartilhada entre teólogos e canonistas a convicção de que muitos casamentos realizados na Igreja são, de fato, nulos, porque tiveram alguma falha grave no consentimento ou na forma; seriam, portanto, nulos desde o princípio. Quando, por exemplo, falta a liberdade na decisão de casar, esse ato é nulo; da mesma forma, quando a pressão de circunstâncias externas impede de tomar uma decisão autônoma. Os argumentos de nulidade matrimonial são numerosos.

Os casamentos nulos, geralmente, entram em crise bem depressa. Muitos casais poderiam ter reconhecida a nulidade do seu casamento fracassado para, em seguida, realizar um casamento verdadeiro. Outros, talvez, poderiam regularizar a nova relação, caso o vínculo anterior rompido fosse reconhecido nulo.

A Igreja leva a sério o casamento; por isso, após ter sido apresentado a ela um pedido de reconhecimento da nulidade matrimonial, faz instaurar um processo para a verificação cuidadosa dos fatos. O que interessa, acima de tudo, é a verdade sobre o casamento rompido; para tanto, é necessário reunir documentos, ouvir testemunhas e efetuar um julgamento sobre as circunstâncias e as alegações apresentadas no processo.

O Papa Francisco faz questão de esclarecer que não se trata de aprovar o divórcio e de “anular” casamentos verdadeiros. Nada muda na doutrina da Igreja a respeito da indissolubilidade do Matrimônio. A Igreja não anulará casamentos verdadeiros e legítimos. Também não se trata de alargar os argumentos de nulidade, que permanecem os mesmos e já são bem conhecidos dos canonistas. Continua valendo o que Jesus ensinou: “o que Deus uniu, o homem não separe”. Em certos casos, porém, é preciso verificar se Deus uniu mesmo!

O Papa estabeleceu que os processos não precisarão mais passar por dois tribunais, nem receber duas sentenças de tribunais diversos. Por outro lado, dispôs, também, que, em certos casos, quando a nulidade aparece claramente, o próprio bispo pode ser o juiz, ou quem for delegado por ele para isso. A responsabilidade pessoal do bispo diocesano aumentou muito com essa decisão do Papa.

A caridade pastoral da Igreja e a salvação das almas deve ser a motivação maior para todo o agir da Igreja. A reforma dos processos de nulidade matrimonial também traz essa mesma motivação: “salus animarum, suprema lex” (a salvação das almas é a lei suprema da Igreja). É preciso fazer todo o possível para ajudar as pessoas angustiadas a alcançarem o bem espiritual e a salvação eterna. Por isso, sem faltar para com a verdade e a justiça, a Igreja quer tornar acessíveis os serviço dos tribunais eclesiásticos a todos os que deles necessitam. Além de tribunais acessíveis e próximos, o Papa também estabelece que os processos devem ser ágeis, sem demorar muito: “justiça demorada é justiça negada”.

As modificações introduzidas no Direito Canônico pelo Papa Francisco entrarão em vigor no próximo dia 8 de dezembro, mesmo dia da abertura do Ano Santo extraordinário da Misericórdia de Deus. Não é sem motivo: a Igreja é testemunha e mensageira da misericórdia de Deus e, ao mesmo tempo, está a serviço dos sinais da misericórdia de Deus para com os homens. As questões de nulidade matrimonial também devem ser tratadas à luz da misericórdia de Deus.

Publicado no jornal O SÃO PAULO - Edição 3069 - 16 a 22 de setembro de 2015