Alguém entre vós está doente?

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12/02/2020 - 21:45

Os doentes receberam sempre as maiores atenções de Jesus. As páginas dos Evangelhos relatam frequentes encontros dele com pessoas acometidas de vários tipos de enfermidades e nunca deixou de lhes dar sua carinhosa atenção. Ao enviar os discípulos em missão, recomendou-lhes que anunciassem a todos o reino de Deus e cuidassem (“curassem”) dos doentes (Lc 10,9). A cura dos enfermos é sinal de que o reino de Deus está próximo.

 

E os apóstolos não deixaram de cumprir a ordem de Jesus, como lemos nos escritos apostólicos. A Carta de S.Tiago retrata a Igreja do final do primeiro século cristão, quando vários serviços hoje reconhecidos como “Sacramentos da Igreja” já estavam bastante delineados. Entre eles, a oração pelos doentes e a unção deles com óleo santo. “Alguém entre vós está enfermo? Mande chamar os anciãos da Igreja, para que orem sobre ele, ungindo-o em nome do Senhor” (Tg 5,14).

 

S.João Paulo II instituiu na Igreja o Dia Mundial dos Enfermos, comemorado todos os anos no dia 11 de fevereiro, festa de N.Sra. de Lourdes. A escolha dessa data para o Dia Mundial dos Enfermos tem seus motivos: o santuário de Nossa Senhora Lourdes, na França, é testemunha de um imenso fluxo dos doentes, que chegam à gruta das aparições e da “fonte miraculosa” para pedir a cura de seus males. E muitíssimas curas miraculosas são relatadas.

 

Neste ano, a comemoração acontece pela 28º vez e o Papa, como faz todos os anos, enviou à Igreja uma bela mensagem para a ocasião. A mensagem parte das palavras de Jesus - «vinde a mim, todos vós que estais cansados e oprimidos, que Eu hei de aliviar-vos» (Mt 11, 28). Essas palavras exprimem a compaixão de Jesus pela multidão que o seguia, cansada e faminta, “como ovelhas sem pastor”. No meio da multidão havia muitos doentes e pessoas oprimidas por vários males físicos e mentais. Eram a imagem da humanidade sofredora, em busca da cura e do alívio para seus males. Jesus chama todos a si e promete alívio, tomando sobre si mesmo os fardos de cada um (cf Mt 11,28-30).

 

O Filho de Deus e Salvador veio ao mundo para aliviar-nos de todos os males que, de muitas formas, nos oprimem. Ele é o “bom samaritano”, que se inclina sobre a humanidade frágil e ferida e se compadece de nossas misérias. E promete “salvação”, que vem a ser a cura completa de todos os males que nos afligem A salvação será completa somente quando formos também redimidos da morte, para participar da sua ressurreição e da vida eterna. Enquanto estamos nesta vida, acolhemos constantemente os sinais da salvação que, de muitas formas, alimentam nosso desejo e esperança de salvação plena.

 

Jesus pede que os discípulos participem da sua solicitude salvadora pela humanidade ferida e doente e nos manda praticar as obras de misericórdia, entre as quais, o cuidado dos enfermos. O Papa Francisco mostra as várias dimensões desse cuidado humano e também divino. Lembra-nos a recomendação de Jesus: “estive enfermo e vós cuidastes de mim”. Cuidar dos doentes com amor equivale a fazê-lo por Jesus, sabendo disso ou não. E merecerá a recompensa eterna (Mt 25, 34-36). Descuidar dos doentes e ficar na indiferença diante de seus sofrimentos, equivale a desprezar Jesus que sofre “na carne sofredora do irmão”, como lembra o Papa. E essa indiferença terá como consequência a condenação eterna (cf Mt 25, 41-43).

 

Vejo com alegria que a pastoral da saúde e dos enfermos cresce e se desenvolve bem em nossa Arquidiocese. E não poderia ser diferente. Temos uma legião de profissionais da saúde, voluntários e ministros dos enfermos, que assistem com delicada atenção os doentes em suas casas, nos hospitais e casas de cura. Numerosos sacerdotes e diáconos dedicam o melhor de sua atenção pastoral aos doentes e aos que sofrem. Mesmo assim, ainda temos muito a fazer, pois os sofrimentos e fragilidades que acometem a saúde do corpo, da mente e da alma das pessoas não tende a diminuir. Somos feitos assim e, por mais que encontremos solução científica para a cura de muitos males, restarão ainda muitos outros surgirão novos a cada dia, como o coronavírus.

 

Restará, sobretudo, o mal maior do homem, que é a experiência da precariedade e fragilidade de sua existência neste mundo, sentindo-se necessitado de salvação. A Igreja tem o anúncio dessa “cura definitiva” e o testemunha dela através da muitas formas de cuidado amoroso de todo tipo de enfermos. Cuidar bem dos doentes é sinal de que somos de Cristo. O contrário disso também é válido, infelizmente.

 

Publicado em O SÃO PAULO, ed. 13 02 2020

Cardeal Odilo P. Scherer

Arcebispo de São Paulo